sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Cachaça




Sincera é a cachaça. Transparente como ela só. Às vezes um tanto amarelada. O que se dá quando adormece fagueira na barriga dilatada de um barril. Ao ser submetida a esse sono exige, pelo menos, madeiras fortes e confiáveis; dizem necessário tal cuidado para que a sonolência lhe adoce e amarele o fogo. Sei que branca ou amarela, posso garantir, cachaça não mente!
Abra uma garrafa. Não é cheiro de coisa qualquer. Fragrância ligeira e influente. Esparrama-se entre moléculas de oxigênio, hidrogênio e nitrogênio. Dá-lhes um abraço forte e depois as libera tontas. Instáveis. Bêbadas. Por isso, quando o nariz inspira o oxigênio do ar, primeiro - porque afoita - sentimos a cachaça. Em seguida, o oxigênio embriagado, cambaleia, quica dos beiços para a ponta do nariz. Tem dificuldade para adentrar as portas das narinas. Nos sacos alveolares as moléculas reclamam ao cérebro, todavia a cachaça diz sempre ter sido transparente quanto a sua natureza.
Saída do funil da garrafa a cachaça quer brincar. Depois que seu cheiro se abunda e se acomoda na gente sorrimos para ela. Perdigueira fareja histórias esquecidas em nossa memória. Depois sopra certa amnésia nas preocupações acerca das verdades do universo e da prestação que vai vencer. Ora ainda transforma a língua mole em matraca de madeira.  
E dá um calor de 40° graus dentro da gente. Derrama na moleira um sol agreste. Por fim, chega o momento quando faz salivar. Tonteia o equilíbrio. Chamusca o estômago todo. Faz dos olhos bolas em brasa.
É cachaça: fogo que queima em água!
Sei de muitos que já prometeram abstinência para depois da ressaca. Mentiram! Garanto, sincera é a cachaça!

Rafael Alvarenga