domingo, 12 de outubro de 2014

Uma crônica sobre o calor

Uma crônica sobre o calor

Agora é um momento em que todos dormem – eu mesmo gostaria de dormir, mas não sem antes dizer uma crônica. Devo esclarecer logo, que agora é dia. Dia ao meio. Estamos bem distantes de qualquer vestígio de noite. Há inclusive um mormaço amarelado, esvoaçando docemente como se fosse um pedaço de fino véu preso ao batente de portas e janelas.
Mas é claro que isso é somente delírio de minha cabeça mal acostumada às inventices da literatura. Ocorre mesmo que o céu nublado dispersa a luz tornando-a difusa. Então fica parecendo que ela é irradiada de todos os lados de qualquer coisa. Antes fosse assim. Afinal, quantas vezes a vida toda não se parece com um pedaço de inventice?
À porta da cozinha, dorme o cachorro. O chão gelado lhe refrescando o pelo grosso. E os passarinhos se aproveitando vem à mesa bicar o farelo do biscoito que ali ficou. São lindos esses passarinhos! E graças a Deus não respeitam a minha presença. Invadem a cozinha, invadem a casa. E só não leem um livro porque estão todos fechados agora.
Até as pessoas estão todas fechadas agora, quando dormem. Num quarto está uma criança que ainda não despertou para o almoço; noutro cômodo uma pessoa mais velha dormindo pela refeição feita. Nesses dias ferventes os animais noturnos caçam lembrados pelo ronco da barriga. Pois, não fosse isso, se deixariam pelas sendas envaidecendo sua condição notívaga, tão mais agradável nesta estação.
Inclusive eu tenho de parar. Tenho de fechar a crônica. Porque o sol já me alcança os olhos. Já me ata as mãos. Já assina meu nome logo aqui abaixo.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 12 de outubro de 2014