segunda-feira, 4 de abril de 2016

Ser ou não ser: eis a questão do siri

Ser ou não ser: eis a questão do siri

Sequer era noite de lua. Mas o negrume grosso compensava qualquer ausência. Nada que deva remeter ao sombrio, ao macabro. Pois quanto mais verdadeiramente preto é o alto de uma noite, tanto mais diamantadas são as estrelas.
E foi em uma noite assim que o siri encontrou a tartaruga na areia. Um encontro cheio de surpresas para a tartaruga que, mesmo antes de ver o siri, ouviu seus gemidos. Procurou por algum tempo e eis que o avistou entanguido de suor:
̶  Amigo siri! Quanto tempo faz que não lhe vejo!
E o crustáceo, que ao ouvir o cumprimento aproveitara para descansar um instante, logo respondeu com entusiasmo: Querida tartaruga! A quantas nada por esse mar?
̶  Passei o ano seguindo as correntes, como sempre. Mas agora retorno para a desova. E você, o que merece tanto esforço? – perguntou a tartaruga ao perceber o siri ofegante.
̶  Ah, é difícil de explicar... – respondeu virando os olhos melancolicamente.
̶ Bem, me dê um instante e eu adivinho. – falou a tartaruga abrindo um sorriso iluminado antes de continuar: Aposto que é para ficar em forma... Tem uma siri nesta história?
̶  Não é nada disso.
̶  Como não? Estão está nesta loucura por quê?
̶  Sinceramente tartaruga – disse o siri encarando-a e ajeitando as patas na areia úmida – eu não quero mais andar de lado. Todo mundo anda pra frente. E eu não! Comigo é tudo de lado! Mas chega! Quero mudar!
Por um momento a tartaruga ficou sem palavras. No silêncio ouvia-se apenas o leve escorrer constante das ondas sobre a areia, como se marcassem o tempo.
̶  Mas siri, os siris são assim, eles andam de lado. Essa é a questão... – Falou por fim a tartaruga ao que o siri logo rebateu:
̶  Que questão? Você acha bonito me ver andando de lado?
̶  Claro! É a sua identidade, seu modo de ser, sua maneira de estar no mundo, enfim essas coisas filosóficas.
̶  Ok. Então você vai dizer que é legal andar de lado, que acha bacana e charmoso, mas que como você é tartaruga não pode andar assim, pois isso é coisa de siri, etc e tal.
̶  Mas qual é o problema? Afinal, isso é coisa de siri. E você é siri.
̶  Essa é a questão tartaruga: Eu quero ser o que eu quiser ser. Parece uma enrolação para dizer o óbvio, mas é por isso que estou suando aqui na areia.
̶  Quer dizer que você está fazendo esse esforço todo pra andar pra frente? Como todo mundo? Como eu? Mas e a sua essência de siri?
̶  Minha essência é um hábito ensinado a milhares de anos. Só isso. – E por fim, antes de sumir na escuridão, disse ainda o siri: Se minha essência for o que eu fizer de mim e para mim, serei siri mesmo que ande de frente. Enfim, se a essência é minha quem tem que construir sou eu.

 Rafael Alvarenga