quinta-feira, 22 de março de 2018

Os mais esquecidos


Os mais esquecidos

Os guarda-chuvas povoam a cidade nesta ensopada manhã de março. Cada pedestre traz o seu e as calçadas ganham uma marquise extra. Se eu fosse menino ainda e tivesse vigor e esperteza suficientes correria pelas calçadas sob os guarda-chuvas driblando os corpos como um bom ponta direita.
E como são variados os exemplares. Uma senhora vem com um que é pequeno e alaranjado marcado com as dobras do tempo em que permaneceu guardado; um homem de gravata vem com um modelo grande e preto que tem no meio uma brilhante ponta de para-raio; duas jovens amigas seguem lado a lado empunhando o mesmo tipo azul com bolinhas brancas; uma criança quer que todos vejam seu exemplar estampado com seu personagem preferido. Mas há também o sujeito que não conseguiu abrir o seu. Enfurecido ele puxava e forçava os mecanismos a ponto de quebrar a frágil estrutura. Outro rapaz tem um moderno guarda-chuva cinza escuro e anda sem pressa procurando uma moça para oferecer carona. Outro tem uma mão no guidão da bicicleta e outra no cabo do guarda-chuva e por isso tem a impressão de ir pouco seguro pela cidade.
Os guarda-chuvas se acumulam no ponto de ônibus formando um verdadeiro escudo sobre as cabeças dos cidadãos. Ninguém os esquece até entrar no ônibus: ali dentro eles se transformam em pedaços de tecido molhado pingando uma água fria que não cansa de escorrer.
Não conheço quem goste disso. Pobres guarda-chuvas! Lembrei deles hoje. Dos objetos que já vi, são os mais esquecidos.

Rafael Alvarenga
Itatiaia, 22 de março de 2018