sexta-feira, 31 de julho de 2015

A dieta do campeonato

A dieta do campeonato

O corpo do campeonato brasileiro atualmente vive sob específico regime. Se alimenta de jogadores que tem momentos. Períodos sim, períodos não, jogam bem. E por isso estão longe de serem craques. O organismo do campeonato, claro, faz um regime forçado. Se pudesse continuaria se alimentando de grandes jogadores como já o fizera em tempos passados. Jogador de momento dá certa energia, contudo está longe de ser o que há de mais nutritivo na biodiversidade futebolesca.
Em todo caso, o jogador de momento é o  que define a tabela do campeonato nacional em 2015. As equipes que brigam pelo título tem três ou quatro jogadores que vivem um bom momento: Atlético/MG, Corinthians, Palmeiras, Sport, São Paulo, Grêmio e Fluminense (alguém se arrisca a ver nelas cinco ou mais jogadores que vivem um bom momento?).
O atlético/PR é uma interrogação. Uma pedrinha de sal nessa dieta.
Já Chapecoense, Inter, Flamengo, Ponte Preta, Cruzeiro e Avaí, tem pelo menos um jogador em um bom momento. Por isso brigam na mediocridade da tabela, que não rebaixa tampouco oferece algo significativo.
O Santos é outra interrogação, porém mais insossa e de validade duvidosa.
Na raspa do tacho, Figueirense, Goiás, Vasco, Coritiba e Joinville. Raspem bem esse tacho, meus amigos, e me respondam: Há em algum deles ao menos um jogador em um bom momento futeboelsco?

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 31 de julho de 2015

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Gota de ciúme

Gota de ciúme
     
      Ela sentia pelo mar um temor apaixonante. Aqueles braços fortes e agitados. Aquela cabeleira ondulada – não adiantava lhe dizer que água não tem cabelo. Aquele corpo largo, atraindo a entrega de um mergulho. Aquele hálito suave e gelado envolvendo-lhe toda. Porém, como não sabia nadar, havia de controlar os impulsos para não mergulhar de cabeça e perder-se.
      Durante as férias, quando não conseguia ir visitar seu amor, em virtude da necessidade de algum trabalho, passava um mês inteiro da TV de casa para a loja da rua. Mas esse ano o céu era na terra! Pois seria um mês inteiro dedicado ao mar. Dia e noite envolvida no balanço daquele amor. Chegava cedo, saía tarde, entretanto vinha quando tivesse vontade.
      E agradecia diariamente à sua própria natureza pelo fato de não enciumar-se com a gente toda se deitando seminua no colo de seu amado. E depois lhe beijando o peito e abraçando-lhe as pernas. Sabia que ele vazia aquilo profissionalmente. O mar tinha apenas um amor, ela!
      Num dia sem data conheceu um moço na areia. Educado e sorridente; com uma conversa sedutora; um tipo gentil e simples e, além disso, com uma beleza tão dominante a ponto de prender em seu corpo os olhos dela. Ele oferecia milho cozido, açaí, picolé, empada e até uma cervejinha gelada naquele calor. Ela ia recusando uma coisa e aceitando outra. Ele contava estórias e aos poucos ia pedindo mudo, um pedaço da sombra dela. Ela, sem perceber que convidava, fechava as pernas e mostrava o espaço vazio ao lado. Podia sentar se quisesse.
      Á frente deles, o mar desenhava ondas fortes. A maré tal qual tentáculos compridos subia como se desejasse acabar com toda areia. Em cima d’água as ondulações galopavam uma sobre a outra e acumulavam uma força barulhenta. O mar crescia de peito inflado. Repentinamente naquela manhã tornava-se furioso; baforava um hálito quente e desagradável cheirando a peixe estragado. Não convidava ninguém ao banho. Saltava em seu próprio corpo e expulsava da praia toda alegria, toda calmaria, todo amor.
      Ela estranhava aquele ânimo alterado, por isso não se atreveu a aproximar-se para acarinhá-lo. Teve medo e não foi capaz de se entregar em seus braços roliços e afagar-lhe o peito dizendo-lhe que ela estava ali e que não era necessário nenhum alarde. Ela simplesmente não conseguiu tocar nem as pontas das ondas cujas chegavam afiadas arranhando-lhe as canelas a fim de roubar-lhe as sandálias, os óculos, a saia, o pente, o bronzeador, as fotografias e a tranquilidade.
      Em vista disso, julgou melhor ir embora. Ele concordou, contudo como estava empanado da mais fina areia resolveu mergulhar e lavar-se. Ela não gostou da ideia, no entanto ele demonstrou-se resoluto e de um pulo foi até a água. Ela pressentia o pior. Ficou olhando mordendo o polegar. Viu quando ele mergulhou. Depois não viu mais. Ele sumia n’água. Ela sumia entre a multidão curiosa e falante que regressava à areia.
      Chegaram Bombeiros. Pessoas disseram que o rapaz estava com ela. Quando os salva-vidas lhe perguntaram o que havia exatamente acontecido ela respondeu convicta e resignada:
      – Foi ciúme.                                                                 

    Rafael Alvarenga    

domingo, 26 de julho de 2015

A garrafa da encruzilhada

A garrafa da encruzilhada

Há semanas fizeram a oferenda. Está lá, ao canto da encruzilhada. Passo por ela todos os dias. E mesmo que escolhesse outra das quatro possibilidades que o caminho me oferece, continuaria dando com ela. É um e outro alguidar e uma garrafa de cachaça. A qual me impressiona em razão de já ter passado por ali violenta ventania; e também uma chuva chicoteando em rajadas laterais e traiçoeiras; passam também caminhões de peso considerável carregando terra, brita, areia e até água ou gente. Mas a garrafa continua ereta, incólume. Não dera um passo sequer. Não fora atropelada. Muito menos rolara até o meio fio da calçada, de modo a se proteger dos perigos desse mundo. Está como se fincada ao chão. Segura por uma mão insone e bastante firme. Protegida e provocativa em seu corpo de vidro fechado. Embora, devo avisar, que sua boca está destampada e que nisso não há nenhuma contradição. Por ela a cachaça vai saindo aos poucos, diminuindo gole a gole, como aquela da garrafa que possuo em uma prateleira. Enquanto há cachaça as garrafas continuam vivas e guardadas em prateleiras ou encruzilhadas. Depois de vazias elas rolam por aí sem propósito. E se confundem. Já que uma garrafa de cachaça vazia, mesmo se deitada sob a mística de uma encruzilhada pode ter sido simplesmente lançada fora por alguém que um dia a possuiu em uma prateleira. A questão, me parece, é que quando cheia de cachaça a garrafa dá o que falar. Seja numa encruzilhada, ou mesmo numa prateleira.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 24 de setembro de 2014

domingo, 12 de julho de 2015

Telefone

Telefone

Cidade grande organismo. Ruas estreitas como intestinos delgados.  Avenidas largas como intestinos grossos. Mas tudo congestionado. Coisas demais nas tripas. Tudo preso. Carreiras longas de ônibus e as pessoas enfezadas. Sentadas a um palmo de distância de quem está sentado no outro ônibus. Apartamentos sobre rodas, tanto era o tempo que se gastavam nos trajetos. Janela com janela.
Eles se olharam. Olharam-se mais uma vez. E outra, agora com o interesse anunciado e mútuo. A janela dela estava aberta. Ele abriu a sua e logo tirou o fone de um dos ouvidos - achou ótimo que não estivesse em um frescão. Ela olhou novamente o celular, mas não tirou o fone para não se parecer tão fácil. Contudo desligou a música.
Se olharam novamente, dessa vez sorriram. Ele tomou coragem e pediu:
̶  Me dá seu número?
Ela não hesitou. Ditou e sorriu. Ele foi digitando, até que perguntou:
̶  76?
̶  73.
O transito não andava. Eles mantiveram as janelas abertas. Rápido ela recebeu uma mensagem de texto via celular. Ele a convidava para uma amizade virtual. E um bate papo on line. Ela aceitou, claro, e sorriu também. Ele escreveu primeiro:
̶  Td bem, Stephanie?
̶  Td. E vc?
̶  Td. Cansado. Volta do trab.
̶  Eu tb.
Ele espera um pouco. O que dizer? Se pergunta. Envia para ela convite de amizade através de uma rede social. Ela aceita de pronto. Ficam um vasculhando a vida do outro através da lente virtual.
̶  Tb curto praia. – Diz ele por mensagem eletrônica
̶  Tb fui no festival de cine. – Diz ela.
Ele é separado. Ela descobre pela rede social. Dois casamentos. Não gostei, ela julga. Das duas uma, ou está querendo casar de novo para separar de novo, ou só quer pegação.
Que religião é essa? Ele se indaga e continua pensando: Nunca ouvi falar. Só falta ser uma doidona que vai querer me possuir até de forma sobrenatural. Não podia ser católica dessas não praticantes? Porque ateia também é demais.
Novamente por mensagem eletrônica ela pergunta:
̶  Vc já foi em Macho Pichu?
̶  <. - Ele responde e pergunta de imediato: Esse ruivo é seu namorado?
̶  Ñ.
Devia dar mole pra outras mulheres enquanto era casado. Deve achar que isso é uma prática comum. Nem todos são iguais a você, meu filho. – ela pensa.
Daqui a pouco ela vai me dizer que é louca para ir a Machu Pichu. E vai falar de magnetismo, misticismo e essas viagens. – ele pensa e logo escreve:
̶  Temos amiga em comum.
̶  Kem?
̶  Márcia Ramos.
Ele bebe e fuma. E pelas fotos parece que muito.
Ela tem quatro irmãos. Que exagero.
Ele gosta de paraquedismo. Nunca casaria com um homem assim. Vai que fico viúva?
Ela odeia cozinhar. Mulher que não cozinha agrada menos aos homens. Li isso não sei onde, mas concordo.
Ele é filho único. Deve ser mimado. É minado sim. Perdeu o pai ainda criança. Imagina essa mãe? Deve ser por isso que as outras duas se separaram dele.
Ela é estudante de medicina. Legal. Ganhou um ponto. Mais quer se especializar em urologia. Que absurdo! Perdeu dez pontos. Não pegaria na mão dela de jeito nenhum.
Ele é flautista! Deve viver de mesada até hoje. É melhor interromper essa conversa:
̶  Sem bateria.
̶  Eu tb.
̶  A gente se fala depois.
̶  Ok.
O pensamento é o mesmo em ambos: E esse trânsito que não anda. Ainda bem que não estamos no mesmo ônibus. Agora não dá nem pra distrair com o telefone.

Rafael Alvarenga
Itatiaia, 22 de maio de 2015


sábado, 4 de julho de 2015

Flor no chão

Flor no chão

Achei uma flor
No chão.
Três pétalas lhe sobravam.
Pensei salvá-la.
De que?
Voltei pelo caminho procurando-lhe
os pedaços, mas não sabia o seu caminho.
Fui em direção a casa, jarro d’água em pensamento.
Desisti.
Que atrocidade teria desbeiçado a flor?
Indigna formiga faminta?
Famigerado vento que me refresca a face?
Indolente passarinho que me encanta o tempo?

Achei uma flor
No chão.
Pensei salvá-la.
Desisti.
Deixei que alimentasse a formiga
Que tremulasse ao vento – uma última vez –
Que fosse ninho ao passarinho.

Salvei-a de minhas próprias mãos pensantes.

Rafael Alvarenga
Itatiaia, 04 de julho de 2015