sábado, 22 de agosto de 2015

Maré Hídrica

Maré hídrica

Férias na praia. Em noite de lua cheia levei seus seis anos para passear pela areia. A maré vazante. Cheio de conhecimento perguntei: sabe porque a água está tão distante? Perspicaz ela respondeu: É a crise hídrica. Está afetando até o mar.

Rafael Alvarenga

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Ninho de letras

Ninho de letras

Venha! Entre! Antes limpe os pés no capacho, por favor. Esse lugar, te mostrarei, é robusto e travesso. Sou franco, direi desde já. Não me interessa sua miséria. Você entrou aqui e agora não interessa sua infelicidade. Esqueça esses desgostos. Aqui o esquecimento é uma potencia ativa, atuante, dançante. Isso incomoda? Esquecer a miséria incomoda? Não me compadeço. Não adianta chorar. Você não sabe mais onde está. E essa é sua oportunidade. Ninguém te salvará. Ninguém descascará a banana para você. Ninguém te dará dinheiro.
Sente-se aqui e olhe para cima. Não espere mais. O céu não irá se abrir. Os tribunais não descerão por sua causa. Porque foram saqueados. E o martelo do juiz supremo não existe mais. Dizem que foi golpe. Ninguém aguenta julgar a vida inteira. Ainda mais sendo uma vida onde todos pedem em oração que seja eterna.
Não interessa mais seus temores. Não interessa mais seus olhos fugidios. Não há outra saída senão sua força.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 14 de agosto de 2015

sábado, 8 de agosto de 2015

Rua escura

Rua escura

A rua toda escura. Porque as pessoas todas se foram neste sábado festivo. E sequer uma luz de varanda da frente deixaram acesa. Vejo apenas os cachorros soberanos nos quintais e as estrelas cultivando seus pedaços de céu. Esse escuro que me aguça o ouvido e me derrama a saudade.
Faço fogueira, acendo cigarro de palha, mas pensamento não inova. Dá lá suas voltas, porque não há coisa mais livre, contudo volta como a procura de seu pote de comida. É bicho o pensamento, graças a Deus!
Farejo chuva. E lembro-me de um lugar que fui faz tanto tempo. Não me lembro porque lá chovia. É que era frio. Eu um estrangeiro que nenhum par de pernas, nenhuma flanela de miolo de casaco, nenhum tostão que comprasse bebida podia aquecer. Um frio que se dizia seco nos noticiários, mas, para mim, um frio tão frio que lembrava água de chuva – quando se tem ímpeto para sair na chuva sem praguejar.
Ouço música, leio teorias sobre a vida, obedeço aos sinais de trânsito e uso garfo e faca. Entretanto mesmo assim quando a noite é escura como era desde o começo falso do mundo, eu ouço as coisas embriagado. Ouço com entusiasmo. Porque a rua toda escura me abandona. Às vezes preciso que todos me abandonem. E que os cães sequer me olhem. E que a noite sozinha me amanheça.
Rafael Alvarenga

Itatiaia, 08 de agosto de 2015