domingo, 27 de outubro de 2013

Filme

Filme

Na rua. No centro da cidade. A multidão fílmica. Gravando. Em cena.
Mas é fato real que todos venham e vão. Mesmo não se gostando. Mesmo caguetando o absurdo do gosto alheio. É controlada a multidão fílmica.
E se chove são mais civilizados ainda. Ora por que perdem as ruas e a parte das calçadas cresceram fora das asas das marquises. Como se viram e se roçam. Como guerreiam os guarda-chuvas. Como caem gotas mesmo naqueles debaixo das asas das marquises.
Todos ganham algum cachê para figurar. É a multidão fílmica. Gravando. Em cena.
O patrão é muito esperto. Não é o diretor. Não tem função alguma. É o dono. Muitos não sabem quanto o outro recebe. Também não prestam atenção nas camisas, nas pilastras, nos letreiros, nas bancas. Tudo veste o nome do dono.
Um homem de camisa preta e óculos escuros vai de braços soltos. Uma mulher magra de camiseta e cabelo amarelos vem segurando a alça da bolsa que pende do ombro direito. Um menino está parado no meio da multidão. Só tem sua aparência maltrapilha.
Os prédios formam enormes avenidas de sombra. A luz sem muito brilho é adequada. A multidão fílmica. Gravando. Em cena. O script decorado. A produção atenta. O diretor sentado. O dono ninguém sabe.
Cena 1. Take 1. Parte 1. Na rua. No centro da cidade. A multidão fílmica. Gravando. Em cena.

Rafael Alvarenga

Resende, 26 de outubro de 2013

sábado, 5 de outubro de 2013

Sob o céu

Sob o céu

O céu! Erguemos cabeças e olhos e não avançamos mais que quilômetros. Para depois limitarmos a dimensão das coisas à infância de nossa visão. Falta o que aos sentidos tão ricos e preciosos que possuímos?
A chuva pingando no rio, na calçada empoçada; criando ondas simétricas, cujas cristas se vão engordando a cada diâmetro engolido.
É uma benção que os pássaros já estejam de barriga cheia. Porque a chuva acalma todos nos ninhos. As árvores ascendem a juventude de suas pequenas folhas. A água como combustível; e de longe o que parecia o negrume de galhos escurecidos agora anuncia mensagens florescentes.
Fico a olhar. Há uma luz prateada refletindo do arame farpado que corre pelo muro incumbido de marcar o terreno da casa. O arame farpado corta a mão do ladrão, a bola do menino, a beleza da serra. Mas não tem fio suficiente para cortar a mais corpulenta gota d’água.
Pela soleira da porta atravessa um vento frio. Suas mãos úmidas, seus olhos irritados, sua carcaça longa e pesada a ponto de demorar pela nossa sala. As janelas estão fechadas e minha respiração não pode sair.
À medida que escurece o céu parece baixar. Isso me sufoca! Busco caibros de eucalipto, varas de bambu e vergalhão, preciso senão erguer, escorar o céu para que não me caia esmagador sobre os sentidos que tento agigantar.

Rafael Alvarenga

Resende, 05 de outubro de 2013