quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Atafona Premier League

Atafona Premier League

Não é de hoje que campeonatos de tradição como os Estaduais vêm perdendo forças. jogos sonolentos, equipes montadas com dificuldades e pouca competitividade. Tudo para, no final, os grandes times se engalfinharem nos quadrangulares finais pela disputa título.
O que fazer com os Estaduais ainda é questão sem o mínimo consenso. Mas, enquanto pensam os cartolas, torcedores e amantes do futebol não deixam a bola murchar. E o que não falta é criatividade!
Em Atafona, distrito de São João da Barra-RJ, Maurício Mendonça criou a Atafona Premier League (APL). No total foram dez clubes inscritos: Arsenal, Laranja, PSG, Manchester, Atlético de Madri, Rubin, Chapecoense, Fúria, Atlas e Chelsea se encontrando durante nove rodadas. Todas as partidas foram disputadas na Arena Cuíca, e quem roncou mais alto foi a Fúria que na final bateu o Arsenal pelo placar de 4x3.
Levando em consideração a ausência de qualquer apoio político, o campeonato se fez em razão da vontade de seu organizador e jogadores. Mas não uma vontade de vestir cartola e dar as costas para o jogo. O que prevaleceu foi o desejo de ver e também de colocar a bola para rolar. Gesto digno de aplausos, já que realizado do jeito que a torcida gosta, ou seja, no peito e na raça.
Se já não é de hoje que os grandes campeonatos tropeçam nas próprias pernas, é de hoje sim, de agora!, que iniciativas como a de Maurício Mendonça andam firmes e sem muletas! Parabéns a Atafona Premier League (APL). E que venha 2016!

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 17 de novembro de 2015

sábado, 31 de outubro de 2015

Bala de hortelã

Bala de hortelã


          
  Ele, do outro lado da rua, viu escrito na placa sobre a porta de ferro (agora enrolada próxima ao teto) SUCOS E... O resto não importava, o que tinha mesmo era sede. Dentro da garganta as cordas vocais pareciam de ferro enferrujado. O pigarro oxidado pelo que lhe restava de saliva não dava para um cuspe.
            Irritado atravessou a rua e entrou na lanchonete. Antes de chegar perto do balcão já pedia um suco. Ficha no caixa, disse o atendente interrompendo-o. Pigarreou mais uma vez. Inútil. Algo aquoso, alojado nas adjacências da glote, não falava, porém parecia querer alguma coisa tanto quanto ele queria escarrá-lo. No entanto, estava seco. Miséria! Vá preparando o suco, falou e dirigiu-se ao caixa. Senhor, mas de que é o suco? Perguntou o rapaz de uniforme. Quase pediu um copo d’água. Deu com os ombros, fez um muxoxo e aspirou um ar áspero o qual lhe penetrou os brônquios cheio de uma poeira granulada. Sentiu a bolha gosmenta crescer na garganta alimentada por esses fragmentos. Pararia até de respirar se isso abortasse a aflição.
            Voltou, bateu com a ficha no balcão de vidro e pediu novamente um suco. Assim que o rapaz aproximou-se para atendê-lo antecipou-se em responder: De qualquer coisa, rápido, por favor! Olhava enquanto a comprida tulipa era preenchida com o líquido e pigarreava. Agora pela última vez, pensava. Não deixou nem o copo ser posto sobre o vidro do balcão. Agarrou-o ainda na mão do vendedor. Bebeu com os olhos grudados nas pedras de gelo salientes tilintando medrosas mediante a queda iminente garganta abaixo. Pôs, então, o copo vazio sobre o vidro e respirou ofegante. A enxurrada havia, enfim, lavado a garganta? Não, as cordas vocais continuavam enferrujadas e a bolha parecia ter absorvido por osmose o açúcar abundante do suco. Continuava lá. Nesse instante até maior. Todavia agora ele estava hidratado, poderia cuspi-la lançando mão de toda a força produzida pelo incômodo. Pigarreou novamente. Preparou uma forte sucção, a bolha não seria mais forte agora. Olhou para uma das portas da lanchonete aberta para a rua e viu entrar por ela uma mulher calma, quase sorridente e inquestionavelmente atraente.  A pressão da sucção dentro da garganta fazia a bolha tocar seu pomo de Adão.  Porém aquela mulher enfraqueceu-o. Abismado deixou a bolha voltar para o fundo da garganta. Parado entre a porta e o balcão de vidro, viu-a se aproximar do caixa e sair com algum troco nas mãos, em direção ao atendente. Ele entrou novamente na fila do caixa, e meio indeciso, pediu um sanduíche e outro suco de qualquer coisa. Em pé ela disse ao rapaz de uniforme o que desejava. Era uma voz clara e dividida em grave e agudo. Como se houvesse um instrumento de cordas sendo tocado no fundo daquela garganta límpida a cada palavra pronunciada.
            Ele mal se atrevia a pedir, apenas olhava aquela pele jambo untada pela mistura de cores repousadas numa face sem tempo. Os cabelos salientes corriam com o vento sem se desprender da dona. Como a pipa da criança, que por um fio, é fiel à mão pequenina. O corpo torneado sem exageros exaltava a simplicidade. Já os pés livres entre uma ou outra tira de sandália descansavam, ora um ora outro, apoiado no dorso do qual servia de base. Pode sentar que já vai ficar pronto, senhora, disse o atendente. Ela agradeceu sonora e procurou uma mesa. Ele fez o pedido e novamente sem saber como agir sentou-se próximo. Chegaram para ela, um suco e um sanduíche. Tinha agora as pernas cruzadas dentro do jeans frouxo. Os braços nus e os olhos despreocupados. Ele imaginava-a como alguém sem pressa; cheia de afazeres, conquanto atenciosa a um pequeno sanduíche. Uma menina e uma mulher sem sujeira nos olhos. Preciosa dádiva de quem é capaz de dispensar o choro. Comia como quem tem apetite, mesmo assim não demonstrava ânsia. Mastigava o sabor não a comida.
            Enquanto observava, ele manuseava seu sanduíche para alongar o tempo. Acreditava numa obstinação instintiva e singela tão forte por parte dela, que não ficaria espantado se ela viesse lhe pedir um pedaço do seu sanduíche, cuja única parte mordida ainda estava entre a língua e o céu da boca. Francamente não sabia o que fazer com aquela maçaroca de pão e queijo, muito menos com a bolha perturbadora ainda levando-o a pigarrear. Deveria engolir aquele pedaço de pão e queijo? Engoliu. Entretanto a bolha era inteligente. Driblou o alimento e permaneceu presa às cordas vocais. Não se deixaria ser levada por um pedaço qualquer de pão.
            Ela terminou de comer o seu sanduíche e, sem pressa, amassou o guardanapo com as mãos enquanto limpava os lábios com os lábios. Sabia tudo que tinha a fazer e por isso era calma. Ele pigarreou novamente. Estava irritado. Ela se levantou foi até o caixa procurando algumas moedas dentro da bolsa e em seguida voltou. Aproximou-se dele e deixou sobre a mesa onde ele estava uma bala de hortelã. Olhou-o com as maçãs do rosto acentuadas e sorridentes e disse: Escreva essa estória. Daria um bom conto. Sorriu mais uma vez e saiu com seu jeito ritmado assim como entrou, comeu, olhou e gostou do sanduíche de queijo.

Rafael Alvarenga





segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Boi preto

Boi preto

O boi preto vive, pasta e rumina. Enquanto isso, um vendaval sacode a braquiária. Mas o boi preto que não se interessa por vendavais; por isso vive, pasta e rumina. Tudo se move ao seu redor. O mundo se move sem reclamar por ponto fixo. As pessoas se movem em direção as janelas para trancá-las reclamando do buraco do trinco.
Todo verde sacode como se corresse; como se fosse dotado de pernas. O boi preto é o único que permanece. Um ponto robusto que vive, pasta e rumina. Quanto capim lhe é necessário. Quanto viver, pastar e ruminar! O vento força portões. Quer entrar na marra. O vento assedia roupas íntimas nos varais. Quer saciar sua volúpia. O vento verga os braços do maracujazeiro que se enruga de dor. Quer que o respeitem em meio à bárbara natureza.
Mas o boi preto que não se interessa por vendavais vive, pasta e rumina. E quando se põe a caminhar é por um motivo que eu não vejo. Eu só vejo o vento me apequenar a visão de tantos ciscos que me lacrimejam; só vejo o vento engrandecer o boi preto que vive, pasta e rumina.

Rafael Alvarenga
Itatiaia, 06 de outubro de 2015


sexta-feira, 2 de outubro de 2015

História de uma personagem romântica

História de uma personagem romântica

Seu romantismo lhe custava a inércia de quem sonha sentado com pés deitados no chão. De quem se prostra em cadeira de madeira e somente levanta o corpo para dar alguns passos a fim de não adormecer as pernas que se vão ficando. Seu romantismo fazia com que esperasse – e esperando cobrava dívidas e estipulava castigos dolorosos -. Um romantismo cujas raízes eram ancestrais, mas nem por isso sagradas – afinal a antiguidade não exclui qualquer forma de profanidade. E ela lá, romântica! Vislumbrando cavalo branco, ramo de flores, perfume, roupa engomada, cabelo penteado, trovas e mãos macias. Como desconsidera o vento, a fadiga, o galope, a lama e a poeira das estradas, a aspereza das cordas de couro, a fome e a sede que urram das vísceras galopantes e o cansaço que tanto cala os homens. Se soubesse de tudo isso largaria a cadeira e sairia para encontrar o cavaleiro que se não for guiado beberá água em qualquer poça, comerá farinha em qualquer cuia, descansará em qualquer feno, ouvirá qualquer verdade. Afinal, o corpo fala, e fala alto! Mas e o seu romantismo lá, calando o corpo. Sentando a bunda. Dobrando as mãos. Baixando os olhos. Controlando a fome. Seu romantismo otimista não se atinava para o fato dEle não chegar. Para o fato dEle simplesmente não ser atraído. O romantismo otimista quão traiçoeiro foi neste caso. Na história dessa personagem romântica.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 02 de outubro de 2015 

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Pergunta de criança

Pergunta de criança

Hoje pela manhã uma criança me perguntou por que chovia. Respondi que já estava na ocasião das goiabeiras perderem as folhas da última primavera. E que por isso caíam gotas grossas, às vezes finas e insistentes, mas que enfim chovia. E que toda água caída do alto acontecia para também fazer cair de outro alto as folhas da goiabeira. Contudo não de forma que a árvore ficasse nua. Neste tempo úmido toda vida merece algo que lhe sirva de cobertura. É que na goiabeira para cada folha envelhecida que abandonava o fio da seiva um broto nascia. E seu verde era tão vivo que lembrava-nos o amarelo sanguíneo das flores dos ipês.
Foi ainda na companhia dessa manhã que a chuva cessou. Entretanto não como a perder o ânimo de viver enquanto água caindo. Cessou a fim de reunir-se em nuvens carregadas, incapazes de tolerarem a si mesmas. Choveria em breve, porém antes disso uma criança voltou a me perguntar: Porque parou de chover? Respondi que era para vermos as gotas d’água nas folhas da laranjeira. Pois penduradas em fino equilíbrio refratavam a luz do sol combatente forçando porta entre as nuvens que se deslocavam. De cada folha pendiam pérolas. E por esses pontos a luz multiplicada ensolarava um instante de espaço antes do de novo da chuva.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 11 de setembro de 2015

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Carta aos meus amigos

Carta aos meus amigos

Preciso escrever muitas cartas aos meus poucos amigos. Eles estão bem longe. E o tempo é traiçoeiro, pois abranda até o que é verdadeiro. Vou dizer a eles sobre a lua avançando veloz em seu quarto crescente. E vou perguntar quem anda esvaziando o copo que um dia fora meu. Mas terei muito cuidado, é claro, pois não se trata de um ciúme bufão, desejo apenas que o copo continue seu filosófico trabalho.
Nestas cartas as frases inacabadas serão frutos dos desembaraços que não soube resolver. E a falta de lógica entre as ideias sublinharão a profundidade de minha surdez perante o que diz o vento.
Direi também que alguns casos continuam. Aqui há donos para todas as coisas. E eles proíbem passagens até o rio bem como ameaçam nossos olhos quando alcançam as frutas maduras. Mas vejam só vocês, meus amigos, eu não pretendo ameaçar e proibir, entretanto quero ser dono. Que dono serei eu?
É melhor falar de outros assuntos. Cartas alegres jamais são jogadas fora porque não saem das memórias. Então direi que meus vizinhos temem assombrações. Agora, faz pouco, contavam histórias inventadas e verdadeiras. Fiquei um tanto quanto remexido por dentro da valentia. Ora, só sei ter medo de ladrão e revolver. E aqui trancar ou não a porta não faz lá muita diferença.
Ah, meus amigos! Cá lugares sossegados não me faltam para escrever. Porém agora, a todo instante, uma criança alegre me puxa pela mão. Aponta-me o mundo. E sem dizer palavra me convida a experimentar tudo de novo; porque está tudo novamente diferente.


Rafael Alvarenga

sábado, 22 de agosto de 2015

Maré Hídrica

Maré hídrica

Férias na praia. Em noite de lua cheia levei seus seis anos para passear pela areia. A maré vazante. Cheio de conhecimento perguntei: sabe porque a água está tão distante? Perspicaz ela respondeu: É a crise hídrica. Está afetando até o mar.

Rafael Alvarenga

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Ninho de letras

Ninho de letras

Venha! Entre! Antes limpe os pés no capacho, por favor. Esse lugar, te mostrarei, é robusto e travesso. Sou franco, direi desde já. Não me interessa sua miséria. Você entrou aqui e agora não interessa sua infelicidade. Esqueça esses desgostos. Aqui o esquecimento é uma potencia ativa, atuante, dançante. Isso incomoda? Esquecer a miséria incomoda? Não me compadeço. Não adianta chorar. Você não sabe mais onde está. E essa é sua oportunidade. Ninguém te salvará. Ninguém descascará a banana para você. Ninguém te dará dinheiro.
Sente-se aqui e olhe para cima. Não espere mais. O céu não irá se abrir. Os tribunais não descerão por sua causa. Porque foram saqueados. E o martelo do juiz supremo não existe mais. Dizem que foi golpe. Ninguém aguenta julgar a vida inteira. Ainda mais sendo uma vida onde todos pedem em oração que seja eterna.
Não interessa mais seus temores. Não interessa mais seus olhos fugidios. Não há outra saída senão sua força.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 14 de agosto de 2015

sábado, 8 de agosto de 2015

Rua escura

Rua escura

A rua toda escura. Porque as pessoas todas se foram neste sábado festivo. E sequer uma luz de varanda da frente deixaram acesa. Vejo apenas os cachorros soberanos nos quintais e as estrelas cultivando seus pedaços de céu. Esse escuro que me aguça o ouvido e me derrama a saudade.
Faço fogueira, acendo cigarro de palha, mas pensamento não inova. Dá lá suas voltas, porque não há coisa mais livre, contudo volta como a procura de seu pote de comida. É bicho o pensamento, graças a Deus!
Farejo chuva. E lembro-me de um lugar que fui faz tanto tempo. Não me lembro porque lá chovia. É que era frio. Eu um estrangeiro que nenhum par de pernas, nenhuma flanela de miolo de casaco, nenhum tostão que comprasse bebida podia aquecer. Um frio que se dizia seco nos noticiários, mas, para mim, um frio tão frio que lembrava água de chuva – quando se tem ímpeto para sair na chuva sem praguejar.
Ouço música, leio teorias sobre a vida, obedeço aos sinais de trânsito e uso garfo e faca. Entretanto mesmo assim quando a noite é escura como era desde o começo falso do mundo, eu ouço as coisas embriagado. Ouço com entusiasmo. Porque a rua toda escura me abandona. Às vezes preciso que todos me abandonem. E que os cães sequer me olhem. E que a noite sozinha me amanheça.
Rafael Alvarenga

Itatiaia, 08 de agosto de 2015

sexta-feira, 31 de julho de 2015

A dieta do campeonato

A dieta do campeonato

O corpo do campeonato brasileiro atualmente vive sob específico regime. Se alimenta de jogadores que tem momentos. Períodos sim, períodos não, jogam bem. E por isso estão longe de serem craques. O organismo do campeonato, claro, faz um regime forçado. Se pudesse continuaria se alimentando de grandes jogadores como já o fizera em tempos passados. Jogador de momento dá certa energia, contudo está longe de ser o que há de mais nutritivo na biodiversidade futebolesca.
Em todo caso, o jogador de momento é o  que define a tabela do campeonato nacional em 2015. As equipes que brigam pelo título tem três ou quatro jogadores que vivem um bom momento: Atlético/MG, Corinthians, Palmeiras, Sport, São Paulo, Grêmio e Fluminense (alguém se arrisca a ver nelas cinco ou mais jogadores que vivem um bom momento?).
O atlético/PR é uma interrogação. Uma pedrinha de sal nessa dieta.
Já Chapecoense, Inter, Flamengo, Ponte Preta, Cruzeiro e Avaí, tem pelo menos um jogador em um bom momento. Por isso brigam na mediocridade da tabela, que não rebaixa tampouco oferece algo significativo.
O Santos é outra interrogação, porém mais insossa e de validade duvidosa.
Na raspa do tacho, Figueirense, Goiás, Vasco, Coritiba e Joinville. Raspem bem esse tacho, meus amigos, e me respondam: Há em algum deles ao menos um jogador em um bom momento futeboelsco?

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 31 de julho de 2015

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Gota de ciúme

Gota de ciúme
     
      Ela sentia pelo mar um temor apaixonante. Aqueles braços fortes e agitados. Aquela cabeleira ondulada – não adiantava lhe dizer que água não tem cabelo. Aquele corpo largo, atraindo a entrega de um mergulho. Aquele hálito suave e gelado envolvendo-lhe toda. Porém, como não sabia nadar, havia de controlar os impulsos para não mergulhar de cabeça e perder-se.
      Durante as férias, quando não conseguia ir visitar seu amor, em virtude da necessidade de algum trabalho, passava um mês inteiro da TV de casa para a loja da rua. Mas esse ano o céu era na terra! Pois seria um mês inteiro dedicado ao mar. Dia e noite envolvida no balanço daquele amor. Chegava cedo, saía tarde, entretanto vinha quando tivesse vontade.
      E agradecia diariamente à sua própria natureza pelo fato de não enciumar-se com a gente toda se deitando seminua no colo de seu amado. E depois lhe beijando o peito e abraçando-lhe as pernas. Sabia que ele vazia aquilo profissionalmente. O mar tinha apenas um amor, ela!
      Num dia sem data conheceu um moço na areia. Educado e sorridente; com uma conversa sedutora; um tipo gentil e simples e, além disso, com uma beleza tão dominante a ponto de prender em seu corpo os olhos dela. Ele oferecia milho cozido, açaí, picolé, empada e até uma cervejinha gelada naquele calor. Ela ia recusando uma coisa e aceitando outra. Ele contava estórias e aos poucos ia pedindo mudo, um pedaço da sombra dela. Ela, sem perceber que convidava, fechava as pernas e mostrava o espaço vazio ao lado. Podia sentar se quisesse.
      Á frente deles, o mar desenhava ondas fortes. A maré tal qual tentáculos compridos subia como se desejasse acabar com toda areia. Em cima d’água as ondulações galopavam uma sobre a outra e acumulavam uma força barulhenta. O mar crescia de peito inflado. Repentinamente naquela manhã tornava-se furioso; baforava um hálito quente e desagradável cheirando a peixe estragado. Não convidava ninguém ao banho. Saltava em seu próprio corpo e expulsava da praia toda alegria, toda calmaria, todo amor.
      Ela estranhava aquele ânimo alterado, por isso não se atreveu a aproximar-se para acarinhá-lo. Teve medo e não foi capaz de se entregar em seus braços roliços e afagar-lhe o peito dizendo-lhe que ela estava ali e que não era necessário nenhum alarde. Ela simplesmente não conseguiu tocar nem as pontas das ondas cujas chegavam afiadas arranhando-lhe as canelas a fim de roubar-lhe as sandálias, os óculos, a saia, o pente, o bronzeador, as fotografias e a tranquilidade.
      Em vista disso, julgou melhor ir embora. Ele concordou, contudo como estava empanado da mais fina areia resolveu mergulhar e lavar-se. Ela não gostou da ideia, no entanto ele demonstrou-se resoluto e de um pulo foi até a água. Ela pressentia o pior. Ficou olhando mordendo o polegar. Viu quando ele mergulhou. Depois não viu mais. Ele sumia n’água. Ela sumia entre a multidão curiosa e falante que regressava à areia.
      Chegaram Bombeiros. Pessoas disseram que o rapaz estava com ela. Quando os salva-vidas lhe perguntaram o que havia exatamente acontecido ela respondeu convicta e resignada:
      – Foi ciúme.                                                                 

    Rafael Alvarenga    

domingo, 26 de julho de 2015

A garrafa da encruzilhada

A garrafa da encruzilhada

Há semanas fizeram a oferenda. Está lá, ao canto da encruzilhada. Passo por ela todos os dias. E mesmo que escolhesse outra das quatro possibilidades que o caminho me oferece, continuaria dando com ela. É um e outro alguidar e uma garrafa de cachaça. A qual me impressiona em razão de já ter passado por ali violenta ventania; e também uma chuva chicoteando em rajadas laterais e traiçoeiras; passam também caminhões de peso considerável carregando terra, brita, areia e até água ou gente. Mas a garrafa continua ereta, incólume. Não dera um passo sequer. Não fora atropelada. Muito menos rolara até o meio fio da calçada, de modo a se proteger dos perigos desse mundo. Está como se fincada ao chão. Segura por uma mão insone e bastante firme. Protegida e provocativa em seu corpo de vidro fechado. Embora, devo avisar, que sua boca está destampada e que nisso não há nenhuma contradição. Por ela a cachaça vai saindo aos poucos, diminuindo gole a gole, como aquela da garrafa que possuo em uma prateleira. Enquanto há cachaça as garrafas continuam vivas e guardadas em prateleiras ou encruzilhadas. Depois de vazias elas rolam por aí sem propósito. E se confundem. Já que uma garrafa de cachaça vazia, mesmo se deitada sob a mística de uma encruzilhada pode ter sido simplesmente lançada fora por alguém que um dia a possuiu em uma prateleira. A questão, me parece, é que quando cheia de cachaça a garrafa dá o que falar. Seja numa encruzilhada, ou mesmo numa prateleira.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 24 de setembro de 2014

domingo, 12 de julho de 2015

Telefone

Telefone

Cidade grande organismo. Ruas estreitas como intestinos delgados.  Avenidas largas como intestinos grossos. Mas tudo congestionado. Coisas demais nas tripas. Tudo preso. Carreiras longas de ônibus e as pessoas enfezadas. Sentadas a um palmo de distância de quem está sentado no outro ônibus. Apartamentos sobre rodas, tanto era o tempo que se gastavam nos trajetos. Janela com janela.
Eles se olharam. Olharam-se mais uma vez. E outra, agora com o interesse anunciado e mútuo. A janela dela estava aberta. Ele abriu a sua e logo tirou o fone de um dos ouvidos - achou ótimo que não estivesse em um frescão. Ela olhou novamente o celular, mas não tirou o fone para não se parecer tão fácil. Contudo desligou a música.
Se olharam novamente, dessa vez sorriram. Ele tomou coragem e pediu:
̶  Me dá seu número?
Ela não hesitou. Ditou e sorriu. Ele foi digitando, até que perguntou:
̶  76?
̶  73.
O transito não andava. Eles mantiveram as janelas abertas. Rápido ela recebeu uma mensagem de texto via celular. Ele a convidava para uma amizade virtual. E um bate papo on line. Ela aceitou, claro, e sorriu também. Ele escreveu primeiro:
̶  Td bem, Stephanie?
̶  Td. E vc?
̶  Td. Cansado. Volta do trab.
̶  Eu tb.
Ele espera um pouco. O que dizer? Se pergunta. Envia para ela convite de amizade através de uma rede social. Ela aceita de pronto. Ficam um vasculhando a vida do outro através da lente virtual.
̶  Tb curto praia. – Diz ele por mensagem eletrônica
̶  Tb fui no festival de cine. – Diz ela.
Ele é separado. Ela descobre pela rede social. Dois casamentos. Não gostei, ela julga. Das duas uma, ou está querendo casar de novo para separar de novo, ou só quer pegação.
Que religião é essa? Ele se indaga e continua pensando: Nunca ouvi falar. Só falta ser uma doidona que vai querer me possuir até de forma sobrenatural. Não podia ser católica dessas não praticantes? Porque ateia também é demais.
Novamente por mensagem eletrônica ela pergunta:
̶  Vc já foi em Macho Pichu?
̶  <. - Ele responde e pergunta de imediato: Esse ruivo é seu namorado?
̶  Ñ.
Devia dar mole pra outras mulheres enquanto era casado. Deve achar que isso é uma prática comum. Nem todos são iguais a você, meu filho. – ela pensa.
Daqui a pouco ela vai me dizer que é louca para ir a Machu Pichu. E vai falar de magnetismo, misticismo e essas viagens. – ele pensa e logo escreve:
̶  Temos amiga em comum.
̶  Kem?
̶  Márcia Ramos.
Ele bebe e fuma. E pelas fotos parece que muito.
Ela tem quatro irmãos. Que exagero.
Ele gosta de paraquedismo. Nunca casaria com um homem assim. Vai que fico viúva?
Ela odeia cozinhar. Mulher que não cozinha agrada menos aos homens. Li isso não sei onde, mas concordo.
Ele é filho único. Deve ser mimado. É minado sim. Perdeu o pai ainda criança. Imagina essa mãe? Deve ser por isso que as outras duas se separaram dele.
Ela é estudante de medicina. Legal. Ganhou um ponto. Mais quer se especializar em urologia. Que absurdo! Perdeu dez pontos. Não pegaria na mão dela de jeito nenhum.
Ele é flautista! Deve viver de mesada até hoje. É melhor interromper essa conversa:
̶  Sem bateria.
̶  Eu tb.
̶  A gente se fala depois.
̶  Ok.
O pensamento é o mesmo em ambos: E esse trânsito que não anda. Ainda bem que não estamos no mesmo ônibus. Agora não dá nem pra distrair com o telefone.

Rafael Alvarenga
Itatiaia, 22 de maio de 2015


sábado, 4 de julho de 2015

Flor no chão

Flor no chão

Achei uma flor
No chão.
Três pétalas lhe sobravam.
Pensei salvá-la.
De que?
Voltei pelo caminho procurando-lhe
os pedaços, mas não sabia o seu caminho.
Fui em direção a casa, jarro d’água em pensamento.
Desisti.
Que atrocidade teria desbeiçado a flor?
Indigna formiga faminta?
Famigerado vento que me refresca a face?
Indolente passarinho que me encanta o tempo?

Achei uma flor
No chão.
Pensei salvá-la.
Desisti.
Deixei que alimentasse a formiga
Que tremulasse ao vento – uma última vez –
Que fosse ninho ao passarinho.

Salvei-a de minhas próprias mãos pensantes.

Rafael Alvarenga
Itatiaia, 04 de julho de 2015






domingo, 28 de junho de 2015

Copa América 2015

Copa América 2015

Brasil x Paraguai, Copa América 2015 no Chile – pelas quartas de final - só ficou bom depois dos 26’ do segundo tempo com o gol de Gonzáles. Até então o magro placar de 1 x 0 favorável a seleção canarinho não representava emoção, domínio de jogo por parte do Brasil e sequer nervosismo exalado pelos torcedores.
Vez e outra alguém até se dispunha a sair da varanda para sala a fim de saber como andava o jogo: A mesma coisa. Mas o gol paraguaio salvou o espetáculo. Precisava-se fazer alguma coisa. Ou logo logo viriam os pênaltis.
Ninguém fez vieram os pênaltis e o Brasil era um grupo de homens isolados, com os rostos duros, e as mãos inseguras. Enquanto os paraguaios se agarravam em gritos altos, munidos de olhos vibrantes e palmas que emergiam a vermelhidão do sangue quente.
Nas cobranças as caras dos jogadores brasileiros amargavam nossos palpites: Esse não vai fazer – e não fazia mesmo.
Um Paraguai convicto e destemido venceu nos pênaltis – 4 x 3 - um Brasil desgarrado e limitado. Um Brasil que diríamos “paraguaio” se estivéssemos em outros tempos.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 28 de junho de 2015  

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Hoje eu não poderei lhe emprestar

Hoje eu não poderei lhe emprestar

Hoje eu não poderei lhe emprestar meus pés. É que preciso andar e chegar em algum lugar onde possa descansar depois. Também não poderei lhe emprestar minhas mãos. Pois preciso dá-la a uma criança ao atravessar a rua. E hoje eu também não lhe poderei emprestar meus olhos. É que a tarde é de outono e o céu está limpinho. Muitas cores serão derramadas e isso não demora. Por favor, não me leve a mal, mas não poderei lhe emprestar mesmo.
Hoje eu não poderei lhe emprestar meus cabelos. Eles estão compridos e avessos, eu sei, mas é que pegarei uma carona na carroceria aberta de uma caminhonete e o vento, por mais furioso que seja, não tem graça nenhuma em uma careca.
Ah, e não é que eu seja egoísta, porém hoje eu também não poderei lhe emprestar minha língua. Porque eu vou sair e jantar com uma mulher incrível. E haverá a massa e a conversa. Não posso ficar insosso e mudo. Eu sinto muito, mas hoje eu não poderei lhe emprestar meus ouvidos. Pois eu estou precisando ouvir umas verdades. E por isso estou com eles aqui, bem abertos voltados para os alto falantes do mundo.
Hoje eu não poderei lhe emprestar minha felicidade. Porque eu estou ansioso para usá-la. É isso mesmo. De sair por aí cantando alto e sem nenhuma preocupação com o momento tedioso de voltar.
Não me leve a mal, mas é que hoje, sequer dinheiro eu poderei lhe emprestar.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 12 de junho de 2015

domingo, 17 de maio de 2015

O nome de Odeth

O nome de Odeth

Ao telefone eles conversam:
̶  Eu não quero mais essa vida, Fernando.
̶  Que vida, Odeth?
̶  Essa vida com o meu nome.
̶  Não tô entendo.
̶  Não aguento mais meu nome. – Ela grita.
̶  Então muda de nome. É um processo legal e possível.
̶  A tá! Muda de nome. Você diz isso porque se chama Fernando.
̶  Mas o que você quer afinal?
̶  Não quero mais ninguém me chamando de Odeth!
̶  Então muda de nome Odeth!
̶  Você tá fazendo isso pra me provocar, não é Fernando?
̶  Isso o que Odeth?
̶  Me chamando por esse nome que eu não gosto.
̶  E você quer que eu te chame pelo sobrenome?
̶  Como assim?
̶  Eu ligo e digo: Oi, Izaías!
̶  Izaías é a sua mãe Fernando! Ouviu? A sua mãe!
̶  Minha mãe é Maria Cláudia, Odeth. E você tem que se decidir. Escolhe um nome pra eu te chamar e a gente resolve essa discussão.
̶  E nessa altura do campeonato vou eu mudar de nome, Fernando? Vou chegar à casa de um amigo e dizer: Por favor, não me chame mais assim. Agora sou fulana de tal...
̶  Isso. E aproveita pra mostrar o novo RG pra todo mundo. Seria como dar uma carteirada, sabe?
̶  Você tá achando que eu sou o que Fernando? Isso é deboche!
̶  Tô dando sugestões.
̶ Todas elas péssimas! Quer que eu fique igual uma idiota esfregando o RG na cara das pessoas?
̶  Se não for assim não adianta.
̶  Não adianta o que Fernando?
̶  Ninguém vai te chamar pelo novo nome. Vão achar que é alguma sacanagem da Odeth.
̶ Ah, Fernando. Você quer é me sacanear, não é? Trocar o nome legalmente... Tá bom e aí tenho que refazer toda minha vida. Tirar novos documentos, mudar contratos e prestações... Mudar tudo. Uma trabalheira do cão! E depois ainda ficar mostrando a todo mundo que meu novo nome é sei lá qual. Odeio esses nomes novos que andam por aí. Sophia, por exemplo.
̶  É. Sophia não dá mais.
̶  Antônia, Francisca...
̶  Nome de homem com uma letrinha feminina.
̶  Às vezes acho até que nem tô tão mal.
̶  Como assim?
̶ De nome, sabe?
̶  A sim, tem gente bem pior.
Um instante de silêncio e ele pergunta:
̶  Vamos ao cinema mais tarde?
̶  Vamos sim. Mas não escolhe o filme só porque o nome te agradou. Toda vez que faz isso o resultado é péssimo Fernando.
̶  Pode deixar amor. Vou ler as sinopses.


Rafael Alvarenga

Itatiaia, 17 de maio de 2015

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Friagem e suspensão

Friagem e suspensão

A friagem é como uma suspensão de fundo de rio ou mar. Vai se acumulando, porque apenas assim ganha corpo. Mas é leve e paciente.
Com tardança toca o fundo lodoso ou arenoso de nossos poros. O frio tem muitos bocados; é que seu ser pueril somente ganha algum grama depois de inúmeras camadas.
Antes de qualquer peteleco, segue tudo bem mandrião. Até que um pé ou uma pata faz desmoronar todo peso. E num segundo tudo volta a flutuar em rodopio imprevisível.
É assim também com a friagem. Flutua pelo ar com lentidão; demora a se assentar no chão; e quando realmente descansa cria orvalho sobre a verde relva que se descolore ao amanhecer. Esfria os pés da gente. A coluna da gente. Esfria até o sabor que acorda sob a língua áspera da gente.
O mundo todo fica turvo de frio, como turvo fica o fundo do rio. Basta que acordemos, e pisemos no mundo. Basta que entremos no ar ou na água. Basta sermos como somos: um movimento!

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 24 de março de 2015

domingo, 5 de abril de 2015

O frio do cachorro

O frio do cachorro

O cachorro se enrola. Seu pelo negro no corpo retorcido pelo frio, lembra-me enorme pedaço de fumo de rolo. O rabo sob o corpo; a cabeça sobre uma mistura cheia de pontas entre patas traseiras e dianteiras. Quando pigarreio ele abre os olhos. Entretanto não move mais nada. Sagaz, deitou-se de modo que para espreitar minha ronronice nada mais tenha que fazer além de abrir os olhos.
Lá fora a casa dele não dá passagem ao desconforto. A porta pequena e o ambiente salvaguardado do frio. Além da luz, que ainda não lhe deve ter penetrado, não anota qualquer molesto. Creio até que ela fique mais agradável já que o sol agora aparece e, mesmo tímido, serve para trazer alguma morna esperança.
Aqui, onde agora o cachorro dorme, é o caminho do vento. Pois entre a janela grande da sala e a porta da cozinha que o dia é incapaz de fechar – as portas das cozinhas são as primeiras a serem abertas e as últimas a serem fechadas. São protegidas pelo almoço e pelas conversas. E cada xícara de café é um soldado montando guarda por pias e mesas. Não há quem se atreva contra o arreganhamento da porta da cozinha -. O cachorro se aquece com minha presença. Sensível à existência e menos subjugado às tolices. Ele se aquece com a presença do outro. O outro sou eu. Eu que continuo sentindo frio. Mesmo com o cachorro ali, mesmo com a xícara de café aqui. Nada se altera.
O cachorro permanece. Enrola-se ainda mais e dorme. Eu penso no seu frio.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 24 de março de 2015

sexta-feira, 20 de março de 2015

Existem muitas coisas no mundo que eu não quero mais

Existem muitas coisas no mundo que eu não quero mais

Eu não quero mais seu café adoçado me engrossando a saliva nas primeiras horas da manhã. Não quero mais seu manjericão sem aroma sobre as rodelas de tomate que eu cortar para minha salada. Não quero mais suas vírgulas dentadas nas minhas poesias, até porque eu hesito represa-las inclusive com um pequenino ponto final. Não quero mais seu pingente da coca-cola no meu chaveiro. Eu detesto coca-cola. Sou daqueles que preferem a seco. Eu não quero mais você me avisando sobre o guarda-chuva. Sei que a tempestade é imprevista, mas e daí? Eu me previno e nunca sinto a sensação de ter escapado por sorte. Eu não quero mais seus programas românticos nem seus ímãs na minha geladeira. Eu não quero mais suas músicas porque elas reverberam pelas minhas paredes durante um tempo incontável. Eu não quero mais ser seu confidente, nem dar conselhos para problemas insolucionáveis. Eu não quero mais tirar o lixo nem conferir se a porta dos fundos está fechada depois de já termos deitado. Eu não quero mais reparar nos cabelos que você cortou ou nas unhas que você pintou de uma cor cujo nome foi forjado nem nenhum nexo. Eu não quero ter que me lembrar de nenhuma data ou mesmo responder a sua mensagem de texto. Eu não quero te dizer que horas são. Não quero te dizer para onde vou quando saio pensando. Eu não te quero dizer que sou a pior pessoa do mundo. Só quero dizer que existem muitas coisas no mundo que eu não quero mais.

Rafael Alvarenga
Itatiaia, 13 de março de 2015