História de uma
personagem romântica
Seu romantismo
lhe custava a inércia de quem sonha sentado com pés deitados no chão. De quem
se prostra em cadeira de madeira e somente levanta o corpo para dar alguns
passos a fim de não adormecer as pernas que se vão ficando. Seu romantismo
fazia com que esperasse – e esperando cobrava dívidas e estipulava castigos dolorosos
-. Um romantismo cujas raízes eram ancestrais, mas nem por isso sagradas –
afinal a antiguidade não exclui qualquer forma de profanidade. E ela lá,
romântica! Vislumbrando cavalo branco, ramo de flores, perfume, roupa engomada,
cabelo penteado, trovas e mãos macias. Como desconsidera o vento, a fadiga, o
galope, a lama e a poeira das estradas, a aspereza das cordas de couro, a fome
e a sede que urram das vísceras galopantes e o cansaço que tanto cala os homens.
Se soubesse de tudo isso largaria a cadeira e sairia para encontrar o cavaleiro
que se não for guiado beberá água em qualquer poça, comerá farinha em qualquer
cuia, descansará em qualquer feno, ouvirá qualquer verdade. Afinal, o corpo
fala, e fala alto! Mas e o seu romantismo lá, calando o corpo. Sentando a
bunda. Dobrando as mãos. Baixando os olhos. Controlando a fome. Seu romantismo
otimista não se atinava para o fato dEle não chegar. Para o fato dEle
simplesmente não ser atraído. O romantismo otimista quão traiçoeiro foi neste
caso. Na história dessa personagem romântica.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 02 de outubro de 2015
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