sexta-feira, 2 de outubro de 2015

História de uma personagem romântica

História de uma personagem romântica

Seu romantismo lhe custava a inércia de quem sonha sentado com pés deitados no chão. De quem se prostra em cadeira de madeira e somente levanta o corpo para dar alguns passos a fim de não adormecer as pernas que se vão ficando. Seu romantismo fazia com que esperasse – e esperando cobrava dívidas e estipulava castigos dolorosos -. Um romantismo cujas raízes eram ancestrais, mas nem por isso sagradas – afinal a antiguidade não exclui qualquer forma de profanidade. E ela lá, romântica! Vislumbrando cavalo branco, ramo de flores, perfume, roupa engomada, cabelo penteado, trovas e mãos macias. Como desconsidera o vento, a fadiga, o galope, a lama e a poeira das estradas, a aspereza das cordas de couro, a fome e a sede que urram das vísceras galopantes e o cansaço que tanto cala os homens. Se soubesse de tudo isso largaria a cadeira e sairia para encontrar o cavaleiro que se não for guiado beberá água em qualquer poça, comerá farinha em qualquer cuia, descansará em qualquer feno, ouvirá qualquer verdade. Afinal, o corpo fala, e fala alto! Mas e o seu romantismo lá, calando o corpo. Sentando a bunda. Dobrando as mãos. Baixando os olhos. Controlando a fome. Seu romantismo otimista não se atinava para o fato dEle não chegar. Para o fato dEle simplesmente não ser atraído. O romantismo otimista quão traiçoeiro foi neste caso. Na história dessa personagem romântica.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 02 de outubro de 2015 

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