Hoje eu não poderei lhe emprestar
Hoje eu não poderei lhe emprestar meus pés. É que
preciso andar e chegar em algum lugar onde possa descansar depois. Também não
poderei lhe emprestar minhas mãos. Pois preciso dá-la a uma criança ao
atravessar a rua. E hoje eu também não lhe poderei emprestar meus olhos. É que
a tarde é de outono e o céu está limpinho. Muitas cores serão derramadas e isso
não demora. Por favor, não me leve a mal, mas não poderei lhe emprestar mesmo.
Hoje eu não poderei lhe emprestar meus cabelos.
Eles estão compridos e avessos, eu sei, mas é que pegarei uma carona na
carroceria aberta de uma caminhonete e o vento, por mais furioso que seja, não
tem graça nenhuma em uma careca.
Ah, e não é que eu seja egoísta, porém hoje eu também
não poderei lhe emprestar minha língua. Porque eu vou sair e jantar com uma
mulher incrível. E haverá a massa e a conversa. Não posso ficar insosso e mudo.
Eu sinto muito, mas hoje eu não poderei lhe emprestar meus ouvidos. Pois eu
estou precisando ouvir umas verdades. E por isso estou com eles aqui, bem
abertos voltados para os alto falantes do mundo.
Hoje eu não poderei lhe emprestar minha felicidade.
Porque eu estou ansioso para usá-la. É isso mesmo. De sair por aí cantando alto
e sem nenhuma preocupação com o momento tedioso de voltar.
Não me leve a mal, mas é que hoje, sequer dinheiro
eu poderei lhe emprestar.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 12 de junho de 2015
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