segunda-feira, 20 de abril de 2015

Friagem e suspensão

Friagem e suspensão

A friagem é como uma suspensão de fundo de rio ou mar. Vai se acumulando, porque apenas assim ganha corpo. Mas é leve e paciente.
Com tardança toca o fundo lodoso ou arenoso de nossos poros. O frio tem muitos bocados; é que seu ser pueril somente ganha algum grama depois de inúmeras camadas.
Antes de qualquer peteleco, segue tudo bem mandrião. Até que um pé ou uma pata faz desmoronar todo peso. E num segundo tudo volta a flutuar em rodopio imprevisível.
É assim também com a friagem. Flutua pelo ar com lentidão; demora a se assentar no chão; e quando realmente descansa cria orvalho sobre a verde relva que se descolore ao amanhecer. Esfria os pés da gente. A coluna da gente. Esfria até o sabor que acorda sob a língua áspera da gente.
O mundo todo fica turvo de frio, como turvo fica o fundo do rio. Basta que acordemos, e pisemos no mundo. Basta que entremos no ar ou na água. Basta sermos como somos: um movimento!

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 24 de março de 2015

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