Gota de ciúme
Durante
as férias, quando não conseguia ir visitar seu amor, em virtude da necessidade
de algum trabalho, passava um mês inteiro da TV de casa para a loja da rua. Mas
esse ano o céu era na terra! Pois seria um mês inteiro dedicado ao mar. Dia e
noite envolvida no balanço daquele amor. Chegava cedo, saía tarde, entretanto
vinha quando tivesse vontade.
E
agradecia diariamente à sua própria natureza pelo fato de não enciumar-se com a
gente toda se deitando seminua no colo de seu amado. E depois lhe beijando o
peito e abraçando-lhe as pernas. Sabia que ele vazia aquilo profissionalmente.
O mar tinha apenas um amor, ela!
Num
dia sem data conheceu um moço na areia. Educado e sorridente; com uma conversa sedutora;
um tipo gentil e simples e, além disso, com uma beleza tão dominante a ponto de
prender em seu corpo os olhos dela. Ele oferecia milho cozido, açaí, picolé,
empada e até uma cervejinha gelada naquele calor. Ela ia recusando uma coisa e
aceitando outra. Ele contava estórias e aos poucos ia pedindo mudo, um pedaço
da sombra dela. Ela, sem perceber que convidava, fechava as pernas e mostrava o
espaço vazio ao lado. Podia sentar se quisesse.
Á
frente deles, o mar desenhava ondas fortes. A maré tal qual tentáculos
compridos subia como se desejasse acabar com toda areia. Em cima d’água as
ondulações galopavam uma sobre a outra e acumulavam uma força barulhenta. O mar
crescia de peito inflado. Repentinamente naquela manhã tornava-se furioso;
baforava um hálito quente e desagradável cheirando a peixe estragado. Não
convidava ninguém ao banho. Saltava em seu próprio corpo e expulsava da praia
toda alegria, toda calmaria, todo amor.
Ela
estranhava aquele ânimo alterado, por isso não se atreveu a aproximar-se para
acarinhá-lo. Teve medo e não foi capaz de se entregar em seus braços roliços e
afagar-lhe o peito dizendo-lhe que ela estava ali e que não era necessário
nenhum alarde. Ela simplesmente não conseguiu tocar nem as pontas das ondas
cujas chegavam afiadas arranhando-lhe as canelas a fim de roubar-lhe as
sandálias, os óculos, a saia, o pente, o bronzeador, as fotografias e a
tranquilidade.
Em
vista disso, julgou melhor ir embora. Ele concordou, contudo como estava
empanado da mais fina areia resolveu mergulhar e lavar-se. Ela não gostou da
ideia, no entanto ele demonstrou-se resoluto e de um pulo foi até a água. Ela
pressentia o pior. Ficou olhando mordendo o polegar. Viu quando ele mergulhou.
Depois não viu mais. Ele sumia n’água. Ela sumia entre a multidão curiosa e
falante que regressava à areia.
Chegaram
Bombeiros. Pessoas disseram que o rapaz estava com ela. Quando os salva-vidas
lhe perguntaram o que havia exatamente acontecido ela respondeu convicta e
resignada:
– Foi ciúme.
Rafael
Alvarenga
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