quarta-feira, 29 de julho de 2015

Gota de ciúme

Gota de ciúme
     
      Ela sentia pelo mar um temor apaixonante. Aqueles braços fortes e agitados. Aquela cabeleira ondulada – não adiantava lhe dizer que água não tem cabelo. Aquele corpo largo, atraindo a entrega de um mergulho. Aquele hálito suave e gelado envolvendo-lhe toda. Porém, como não sabia nadar, havia de controlar os impulsos para não mergulhar de cabeça e perder-se.
      Durante as férias, quando não conseguia ir visitar seu amor, em virtude da necessidade de algum trabalho, passava um mês inteiro da TV de casa para a loja da rua. Mas esse ano o céu era na terra! Pois seria um mês inteiro dedicado ao mar. Dia e noite envolvida no balanço daquele amor. Chegava cedo, saía tarde, entretanto vinha quando tivesse vontade.
      E agradecia diariamente à sua própria natureza pelo fato de não enciumar-se com a gente toda se deitando seminua no colo de seu amado. E depois lhe beijando o peito e abraçando-lhe as pernas. Sabia que ele vazia aquilo profissionalmente. O mar tinha apenas um amor, ela!
      Num dia sem data conheceu um moço na areia. Educado e sorridente; com uma conversa sedutora; um tipo gentil e simples e, além disso, com uma beleza tão dominante a ponto de prender em seu corpo os olhos dela. Ele oferecia milho cozido, açaí, picolé, empada e até uma cervejinha gelada naquele calor. Ela ia recusando uma coisa e aceitando outra. Ele contava estórias e aos poucos ia pedindo mudo, um pedaço da sombra dela. Ela, sem perceber que convidava, fechava as pernas e mostrava o espaço vazio ao lado. Podia sentar se quisesse.
      Á frente deles, o mar desenhava ondas fortes. A maré tal qual tentáculos compridos subia como se desejasse acabar com toda areia. Em cima d’água as ondulações galopavam uma sobre a outra e acumulavam uma força barulhenta. O mar crescia de peito inflado. Repentinamente naquela manhã tornava-se furioso; baforava um hálito quente e desagradável cheirando a peixe estragado. Não convidava ninguém ao banho. Saltava em seu próprio corpo e expulsava da praia toda alegria, toda calmaria, todo amor.
      Ela estranhava aquele ânimo alterado, por isso não se atreveu a aproximar-se para acarinhá-lo. Teve medo e não foi capaz de se entregar em seus braços roliços e afagar-lhe o peito dizendo-lhe que ela estava ali e que não era necessário nenhum alarde. Ela simplesmente não conseguiu tocar nem as pontas das ondas cujas chegavam afiadas arranhando-lhe as canelas a fim de roubar-lhe as sandálias, os óculos, a saia, o pente, o bronzeador, as fotografias e a tranquilidade.
      Em vista disso, julgou melhor ir embora. Ele concordou, contudo como estava empanado da mais fina areia resolveu mergulhar e lavar-se. Ela não gostou da ideia, no entanto ele demonstrou-se resoluto e de um pulo foi até a água. Ela pressentia o pior. Ficou olhando mordendo o polegar. Viu quando ele mergulhou. Depois não viu mais. Ele sumia n’água. Ela sumia entre a multidão curiosa e falante que regressava à areia.
      Chegaram Bombeiros. Pessoas disseram que o rapaz estava com ela. Quando os salva-vidas lhe perguntaram o que havia exatamente acontecido ela respondeu convicta e resignada:
      – Foi ciúme.                                                                 

    Rafael Alvarenga    

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