A garrafa da encruzilhada
Há semanas fizeram a oferenda. Está lá, ao canto da
encruzilhada. Passo por ela todos os dias. E mesmo que escolhesse outra das
quatro possibilidades que o caminho me oferece, continuaria dando com ela. É um
e outro alguidar e uma garrafa de cachaça. A qual me impressiona em razão de já
ter passado por ali violenta ventania; e também uma chuva chicoteando em
rajadas laterais e traiçoeiras; passam também caminhões de peso considerável
carregando terra, brita, areia e até água ou gente. Mas a garrafa continua
ereta, incólume. Não dera um passo sequer. Não fora atropelada. Muito menos
rolara até o meio fio da calçada, de modo a se proteger dos perigos desse mundo.
Está como se fincada ao chão. Segura por uma mão insone e bastante firme.
Protegida e provocativa em seu corpo de vidro fechado. Embora, devo avisar, que
sua boca está destampada e que nisso não há nenhuma contradição. Por ela a
cachaça vai saindo aos poucos, diminuindo gole a gole, como aquela da garrafa
que possuo em uma prateleira. Enquanto há cachaça as garrafas continuam vivas e
guardadas em prateleiras ou encruzilhadas. Depois de vazias elas rolam por aí
sem propósito. E se confundem. Já que uma garrafa de cachaça vazia, mesmo se
deitada sob a mística de uma encruzilhada pode ter sido simplesmente lançada
fora por alguém que um dia a possuiu em uma prateleira. A questão, me parece, é
que quando cheia de cachaça a garrafa dá o que falar. Seja numa encruzilhada,
ou mesmo numa prateleira.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 24 de setembro de 2014
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