domingo, 26 de julho de 2015

A garrafa da encruzilhada

A garrafa da encruzilhada

Há semanas fizeram a oferenda. Está lá, ao canto da encruzilhada. Passo por ela todos os dias. E mesmo que escolhesse outra das quatro possibilidades que o caminho me oferece, continuaria dando com ela. É um e outro alguidar e uma garrafa de cachaça. A qual me impressiona em razão de já ter passado por ali violenta ventania; e também uma chuva chicoteando em rajadas laterais e traiçoeiras; passam também caminhões de peso considerável carregando terra, brita, areia e até água ou gente. Mas a garrafa continua ereta, incólume. Não dera um passo sequer. Não fora atropelada. Muito menos rolara até o meio fio da calçada, de modo a se proteger dos perigos desse mundo. Está como se fincada ao chão. Segura por uma mão insone e bastante firme. Protegida e provocativa em seu corpo de vidro fechado. Embora, devo avisar, que sua boca está destampada e que nisso não há nenhuma contradição. Por ela a cachaça vai saindo aos poucos, diminuindo gole a gole, como aquela da garrafa que possuo em uma prateleira. Enquanto há cachaça as garrafas continuam vivas e guardadas em prateleiras ou encruzilhadas. Depois de vazias elas rolam por aí sem propósito. E se confundem. Já que uma garrafa de cachaça vazia, mesmo se deitada sob a mística de uma encruzilhada pode ter sido simplesmente lançada fora por alguém que um dia a possuiu em uma prateleira. A questão, me parece, é que quando cheia de cachaça a garrafa dá o que falar. Seja numa encruzilhada, ou mesmo numa prateleira.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 24 de setembro de 2014

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