sábado, 8 de agosto de 2015

Rua escura

Rua escura

A rua toda escura. Porque as pessoas todas se foram neste sábado festivo. E sequer uma luz de varanda da frente deixaram acesa. Vejo apenas os cachorros soberanos nos quintais e as estrelas cultivando seus pedaços de céu. Esse escuro que me aguça o ouvido e me derrama a saudade.
Faço fogueira, acendo cigarro de palha, mas pensamento não inova. Dá lá suas voltas, porque não há coisa mais livre, contudo volta como a procura de seu pote de comida. É bicho o pensamento, graças a Deus!
Farejo chuva. E lembro-me de um lugar que fui faz tanto tempo. Não me lembro porque lá chovia. É que era frio. Eu um estrangeiro que nenhum par de pernas, nenhuma flanela de miolo de casaco, nenhum tostão que comprasse bebida podia aquecer. Um frio que se dizia seco nos noticiários, mas, para mim, um frio tão frio que lembrava água de chuva – quando se tem ímpeto para sair na chuva sem praguejar.
Ouço música, leio teorias sobre a vida, obedeço aos sinais de trânsito e uso garfo e faca. Entretanto mesmo assim quando a noite é escura como era desde o começo falso do mundo, eu ouço as coisas embriagado. Ouço com entusiasmo. Porque a rua toda escura me abandona. Às vezes preciso que todos me abandonem. E que os cães sequer me olhem. E que a noite sozinha me amanheça.
Rafael Alvarenga

Itatiaia, 08 de agosto de 2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário