O frio do cachorro
O cachorro se enrola. Seu pelo negro no corpo
retorcido pelo frio, lembra-me enorme pedaço de fumo de rolo. O rabo sob o
corpo; a cabeça sobre uma mistura cheia de pontas entre patas traseiras e
dianteiras. Quando pigarreio ele abre os olhos. Entretanto não move mais nada.
Sagaz, deitou-se de modo que para espreitar minha ronronice nada mais tenha que fazer além de abrir os olhos.
Lá fora a casa dele não dá passagem ao desconforto.
A porta pequena e o ambiente salvaguardado do frio. Além da luz, que ainda não
lhe deve ter penetrado, não anota qualquer molesto. Creio até que ela fique
mais agradável já que o sol agora aparece e, mesmo tímido, serve para trazer
alguma morna esperança.
Aqui, onde agora o cachorro dorme, é o caminho do
vento. Pois entre a janela grande da sala e a porta da cozinha que o dia é
incapaz de fechar – as portas das cozinhas são as primeiras a serem abertas e
as últimas a serem fechadas. São protegidas pelo almoço e pelas conversas. E cada
xícara de café é um soldado montando guarda por pias e mesas. Não há quem se
atreva contra o arreganhamento da porta da cozinha -. O cachorro se aquece com
minha presença. Sensível à existência e menos subjugado às tolices. Ele se
aquece com a presença do outro. O outro sou eu. Eu que continuo sentindo frio.
Mesmo com o cachorro ali, mesmo com a xícara de café aqui. Nada se altera.
O cachorro permanece. Enrola-se ainda mais e dorme.
Eu penso no seu frio.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 24 de março de 2015
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