Mulher percebida
A mulher
vinha como quem vem e não é percebida. Porque simplesmente vinha como quem vem.
Vestia preto. Os cabelos alisados artificialmente como o das muitas outras mulheres
que vem.
É assim. Quando olhamos para um monte de pedrinhas
de brita juntas, não vemos uma pedrinha. Vemos o monte de pedrinhas de brita
juntas. Por isso ninguém via a mulher. Porque ela vinha como quem vem. Em meio
a outras tantas pessoas semelhantes, vindo.
Eu mesmo posso dizer que nunca vira aquela mulher
que vinha a minha frente. Nem quando alcançamos a faixa de pedestres; quando
juntamo-nos feito montanha de gente. Onde gente mesmo ninguém vê, mas montanha de
gente eis aos olhos de todos.
E foi tão rápido quando tudo aconteceu. Tão rápido
que não conheço unidade de marcação de tempo adequada para empregar agora.
Ocorreu que a mulher de preto, aquela que vinha como quem vem e não é
percebida, caiu.
Tombou no chão. E sem dizer nada, sem olhar nada,
talvez até sem ouvir nada – quem sabe? Ela não precisou nem vir mais. Porque
todos a perceberam. Ela destacara-se da multidão que vinha.
Perceberam os ramos de rosas tatuados em sua coxa
esquerda. Seu anel encardido cravejado por uma pedra verde. Perceberam que a
pedra era falsa também. Perceberam que as raízes de seus cabelos negros e
alisados estavam brancas. Perceberam seus longos pés de galinha. E como estava
de saia perceberam até sua calcinha. Branca com desenhos mal executados de aves
coloridas e extintas.
Rafael
Alvarenga
Cabo Frio, 16 de agosto de 2012
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