Nepotismo
Na
minha infância a palavra mais ouvida e menos entendida era nepotismo. Eu não
via nunca o tal do nepotismo; percebia apenas as situações diversas onde meu
pai afirmava encontrá-lo.
Por exemplo, eu e meu amigo Frank íamos sempre
à sorveteria. Um dia reclamei, na mesa de jantar, que a dona Joelma,
proprietária do estabelecimento, punha para o Frank bolas de sorvete maiores.
Papai disse ser esse um caso de nepotismo. Porque o Frank era afilhado da dona
Joelma.
Depois
o Getúlio, que até jogava dama e pescava com papai, deixou de frequentar nossa
casa. Pelo que eu sabia, eles ainda trabalhavam juntos. Passou foi tempo até
que eu tomasse conhecimento da promoção de Getúlio. Agora era chefe de papai. Depois
disso meu pai dizia, na mesa de jantar, que a repartição pública era praticamente
propriedade da família de Getúlio, tendo lá primos, tios e sei lá quais
parentes mais. E essa coisa de nepotismo aparecia nesse caso também.
Às
vezes, depois do jantar, papai ligava o rádio. Preferia-o à televisão. Numa
sexta-feira abafada, onde ninguém saía, pois todos tinham a certeza do toró
iminente, sua estação preferida fazia um programa especial para o Zezinho. O
filho do cantor Zezão. Meu pai, por sua vez, gostava do Bernardo Alves, um
cantor órfão. Por isso bradava: Nepotismo até no rádio!
Todavia
foi na noite seguinte quando resolvi aquela confusão. Passei raspando na prova
de matemática. Sorte foi a professora ter considerado muitas coisas não
colocadas no papel. Na sala de aula, fui o último a receber a prova com o cinco
escrito em azul. Quando me estendeu a folha e o sorriso, mamãe me disse: Eu te
conheço muito bem. Sei que você sabe. E que é bom menino.
Fomos
juntos para casa e mamãe fez guisado de frango com batata e cenoura. Papai me
parabenizou pela aprovação e comeu satisfeito. Ao fim do jantar resolvi
perguntá-lo o que era nepotismo. É quando alguém faz algo ruim. Respondeu-me depois
de um silêncio longo, esforçando-se para não dar exemplos.
Em
seguida, comi o doce de mamão da sobremesa e dormi leve. Tive a certeza que mamãe
ter me passado não era nepotismo. Porque não era coisa ruim. No entanto a
promoção de Getúlio, o programa especial para o Zezinho e principalmente as
enormes bolas de sorvete dadas ao Frank pela dona Joelma, isso sim eram coisas
ruins! Isso sim era nepotismo!
Rafael Alvarenga
Cabo Frio, 01 de maio de 2012
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