terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Nepotismo


Nepotismo

Na minha infância a palavra mais ouvida e menos entendida era nepotismo. Eu não via nunca o tal do nepotismo; percebia apenas as situações diversas onde meu pai afirmava encontrá-lo.
 Por exemplo, eu e meu amigo Frank íamos sempre à sorveteria. Um dia reclamei, na mesa de jantar, que a dona Joelma, proprietária do estabelecimento, punha para o Frank bolas de sorvete maiores. Papai disse ser esse um caso de nepotismo. Porque o Frank era afilhado da dona Joelma.
Depois o Getúlio, que até jogava dama e pescava com papai, deixou de frequentar nossa casa. Pelo que eu sabia, eles ainda trabalhavam juntos. Passou foi tempo até que eu tomasse conhecimento da promoção de Getúlio. Agora era chefe de papai. Depois disso meu pai dizia, na mesa de jantar, que a repartição pública era praticamente propriedade da família de Getúlio, tendo lá primos, tios e sei lá quais parentes mais. E essa coisa de nepotismo aparecia nesse caso também.
Às vezes, depois do jantar, papai ligava o rádio. Preferia-o à televisão. Numa sexta-feira abafada, onde ninguém saía, pois todos tinham a certeza do toró iminente, sua estação preferida fazia um programa especial para o Zezinho. O filho do cantor Zezão. Meu pai, por sua vez, gostava do Bernardo Alves, um cantor órfão. Por isso bradava: Nepotismo até no rádio!
Todavia foi na noite seguinte quando resolvi aquela confusão. Passei raspando na prova de matemática. Sorte foi a professora ter considerado muitas coisas não colocadas no papel. Na sala de aula, fui o último a receber a prova com o cinco escrito em azul. Quando me estendeu a folha e o sorriso, mamãe me disse: Eu te conheço muito bem. Sei que você sabe. E que é bom menino.
Fomos juntos para casa e mamãe fez guisado de frango com batata e cenoura. Papai me parabenizou pela aprovação e comeu satisfeito. Ao fim do jantar resolvi perguntá-lo o que era nepotismo. É quando alguém faz algo ruim. Respondeu-me depois de um silêncio longo, esforçando-se para não dar exemplos.
Em seguida, comi o doce de mamão da sobremesa e dormi leve. Tive a certeza que mamãe ter me passado não era nepotismo. Porque não era coisa ruim. No entanto a promoção de Getúlio, o programa especial para o Zezinho e principalmente as enormes bolas de sorvete dadas ao Frank pela dona Joelma, isso sim eram coisas ruins! Isso sim era nepotismo!

Rafael Alvarenga
Cabo Frio, 01 de maio de 2012

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