Apenas uma crônica
Agora faz um tempo brando. Falta o ribombar de uma
tempestade de belezas. A música desse trompete dourado é materna. E o silêncio
do resto da noite nem pisca. Está vidrado em meu descuido. Eu quis janelas
todas de vidro. E puseram por fora uma grade barriguda de cor argentina.
Hoje pela tarde um homem dispensava uma
enciclopédia. Eu carreguei esses livros até aqui. E ninguém acredita que o
tenha feito sozinho. Tal a quantidade e o peso incalculável dessas pedras. Eu
os trouxe pelas trilhas da avenida. E agora faço em meu quarto a pirâmide que
sempre desejei. Sou apenas um escravo. Como eram aqueles egípcios, maias,
astecas. Nada levará meu nome. Nenhum reino será dedicado a mim.
Devo prever algum eclipse. É um sol pontudo que
passará pelo buraco do acento esquecido. Mas agora é lua ainda. Preciso
escrever logo. E em seguida desmanchar minha pirâmide. E esconder as pedras.
Ninguém pode ver meu ritual. Diriam que sou atormentado demais. Não leriam
minhas crônicas. E de que viveria eu, senão da rabugice de seus olhos
desdenhosos com olheiras bistres?
Vou continuar. Puxo um volume. É o número cinco da
enciclopédia cuja vida eu acabo de salvar. Abre-se uma passagem. Entretanto não
há nenhum mistério! Meu deus, quando é que vão entender isso? Quando é que vão
entender que isso que faço é apenas uma crônica?
Rafael Alvarenga
Resende, 18 de outubro de 2012
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