quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Crônica


Crônica

De dentro de mim retiro coisas que não posso ver. Sinto apenas que estão fugindo. Preparo-me. Cerco essas coisas invisíveis e a cada uma delas aplico substantivos, adjetivos, pronomes, numerais, verbos e preposições. É como se eu vestisse cada uma dessas coisas invisíveis com uma roupa visível, legivelmente caligrafada.
E elas se atemorizam quando caem nessa minha arapuca. Sabem não adiantar correr. Porque estão como quadrúpedes laçados pelo vaqueiro. Em seguida, arrumo todas essas coisas invisíveis, ora visíveis, pois vestidas com uma espécie de roupa apalavrada, em um curral de linhas.
Assim é a lida. Até as coisas irem rareando e findarem-se.
Então o cronista crê nunca mais poder escrever novamente. Acredita-se vazio. E não adianta olhar para os lados. Ele sabe não poder copiar. Nesse instante, acha-se mudo, surdo, tetraplégico e solitário. Extremamente solitário, porque nem dentro de si há alguma coisa.
Eu chego a pensar haver ainda dentro de mim muitos litros dessas coisas quais não posso ver. Entretanto quando elas não fogem, eu, prontamente, nego-lhes a existência. A rebeldia do que sinto é o sumo daquilo que escrevo. Se todas essas coisas invisíveis pacificam-se, domesticam-se, de súbito, definham-se.
Ah, o cronista permanece tal como depois do amor, depois do apetite: saciado. No entanto guarda uma fé orgânica de que, dentro em pouco, tudo acontecerá novamente.

Rafael Alvarenga
Cabo Frio, 18 de maio de 2012

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