Crônica
De dentro de mim retiro
coisas que não posso ver. Sinto apenas que estão fugindo. Preparo-me. Cerco essas
coisas invisíveis e a cada uma delas aplico substantivos, adjetivos, pronomes,
numerais, verbos e preposições. É como se eu vestisse cada uma dessas coisas
invisíveis com uma roupa visível, legivelmente caligrafada.
E elas se atemorizam quando
caem nessa minha arapuca. Sabem não adiantar correr. Porque estão como
quadrúpedes laçados pelo vaqueiro. Em seguida, arrumo todas essas coisas
invisíveis, ora visíveis, pois vestidas com uma espécie de roupa apalavrada, em
um curral de linhas.
Assim é a lida. Até as coisas
irem rareando e findarem-se.
Então o cronista crê nunca
mais poder escrever novamente. Acredita-se vazio. E não adianta olhar para os
lados. Ele sabe não poder copiar. Nesse instante, acha-se mudo, surdo,
tetraplégico e solitário. Extremamente solitário, porque nem dentro de si há
alguma coisa.
Eu chego a pensar haver ainda
dentro de mim muitos litros dessas coisas quais não posso ver. Entretanto quando
elas não fogem, eu, prontamente, nego-lhes a existência. A rebeldia do que sinto
é o sumo daquilo que escrevo. Se todas essas coisas invisíveis pacificam-se,
domesticam-se, de súbito, definham-se.
Ah, o cronista permanece tal
como depois do amor, depois do apetite: saciado. No entanto guarda uma fé
orgânica de que, dentro em pouco, tudo acontecerá novamente.
Rafael Alvarenga
Cabo Frio, 18 de maio
de 2012
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