O gari da praia
Com tanto frio e chuva o dia havia de se confundir
com a noite. A praia vazia. A preguiça de baixo da pele da gente.
Na praia um gari. Ancinho arrastado. Varrendo a
imensidão da areia. Trabalhava sozinho. Cabeça baixa, erguida apenas para
algumas espiadelas na água. A solidão lhe destacava; a solidão e as faixas
luminosas do uniforme. Mas, de si mesmo, nada o distraia. Achou uma correntinha
prateada, na qual se enroscava a letra O. Não conhecia ninguém da letra O.
Achou também uma caneta fina e miúda. E mais a frente um saca rolha. Ainda
assim, não se distraiu.
Não havia modo de a noite ficar mais preta.
Portanto eram as horas que faziam do frio cada vez mais jovem, vigoroso e
arredio. O gari nem com ele. Trabalhava sossegado. Como se seguisse a filosofia
de alguma arte oriental; como se meditasse. Com seu rastelo desenhava paisagens
na areia. E que maravilha não haver, naquela noite fria, quem desmanchasse tudo
em pegadas folgadas. Imaginava figuras e elas permaneciam vivas na malemolência
da areia.
Com paciência o gari remendava toda a virgindade da
beira da praia. E na medida em que recolhia o lixo desfazia no chão os rasgões
provocados por nosso uso humanalesco.
Rafael Alvarenga
Niterói, 17 de novembro de 2012
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