sábado, 17 de novembro de 2012

Um casal no ônibus


Um casal no ônibus

Minha poltrona era a número 47. Imaginei até que não se sentaria ninguém ao meu lado. Porém, antes que eu pudesse ajeitar a bagagem entre as pernas, veio um casal. Ela guiava. Ele era cego. Ele ficou ao meu lado. E embora não pudesse ver nada, eu pressentia que Ele fazia toda leitura da cena. Como era meu tipo, qual era meu lanche.
Ela compensava os olhos que faltavam nele. Não por que via. Sim por que em lugar de olhos tinha duas imensas e lapidadas safiras. Ela lhe disse ter a certeza de não haver mais ninguém para embarcar. Estavam ambos de mãos dadas. Dedos amarrados. Braços balangando no vão do corredor do ônibus. Mas, se subir alguém, não se preocupe, estou aqui, ao seu lado, Ela garantiu com palavras.
O motorista ligou o motor. Eles sorriram mais. No entanto, só ela viu: entrou um passageiro atrasado. Esbaforido. Acabara de descer do táxi. Quase perdia o ônibus. O azul das safiras dela ficaram tão anuviados, tão cegos.
O passageiro nem conferiu o número. Sentou-se ao meu lado. Ajeitou-se. E julgou haver, do outro lado do corredor, um casal de cegos. Pois pareciam olhar, cada qual, para dentro de si mesmo.
Falei nada. Mas se alguém me perguntasse, diria que eram cegos, surdos e mudos. E que o melhor a fazer era deixa-los ali. Juntos e quietos.

Rafael Alvarenga
Niterói, 12 de novembro de 2012

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