Um casal no ônibus
Minha poltrona era a número 47. Imaginei até que
não se sentaria ninguém ao meu lado. Porém, antes que eu pudesse ajeitar a
bagagem entre as pernas, veio um casal. Ela guiava. Ele era cego. Ele ficou ao
meu lado. E embora não pudesse ver nada, eu pressentia que Ele fazia toda
leitura da cena. Como era meu tipo, qual era meu lanche.
Ela compensava os olhos que faltavam nele. Não por que
via. Sim por que em lugar de olhos tinha duas imensas e lapidadas safiras. Ela
lhe disse ter a certeza de não haver mais ninguém para embarcar. Estavam ambos
de mãos dadas. Dedos amarrados. Braços balangando no vão do corredor do ônibus.
Mas, se subir alguém, não se preocupe, estou aqui, ao seu lado, Ela garantiu
com palavras.
O motorista ligou o motor. Eles sorriram mais. No entanto,
só ela viu: entrou um passageiro atrasado. Esbaforido. Acabara de descer do
táxi. Quase perdia o ônibus. O azul das safiras dela ficaram tão anuviados, tão
cegos.
O passageiro nem conferiu o número. Sentou-se ao
meu lado. Ajeitou-se. E julgou haver, do outro lado do corredor, um casal de
cegos. Pois pareciam olhar, cada qual, para dentro de si mesmo.
Falei nada. Mas se alguém me perguntasse, diria que
eram cegos, surdos e mudos. E que o melhor a fazer era deixa-los ali. Juntos e
quietos.
Rafael Alvarenga
Niterói, 12 de novembro de 2012
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