segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Não confio em palavras


Não confio em palavras
 
Essas palavras nasceram faz muito tempo. Foram gestadas em úteros pictográficos. Placentas desenhadas de ideias. Bolsas que certo dia estouraram em letras capazes de dizê-las de outra maneira.
Não confio em palavras. Melhor dizer que não confio em letras. Pois as letras são misteriosas. Não envelhecem. São as únicas coisas imunes ao tempo. Letra não se risca de rugas. Nem se agrisalha em nada.
Fosse a inquisição mais eficiente; a idade média mais bem fincada à terra. E essas letras teriam sido todas queimadas vivas.
O alfabeto é um tangran enlouquecedor. Vira barcos, pássaros, armas, flores, peixes. As letras tomam a forma do sentido. São como periscópios; através de seus jogos de espelhos alcançamos o que parece ser. Por que quem vai até lá dentro das coisas são as letras em palavras não a gente em si mesmo.
São esnobes essas letras. Dão as costas para o espelho mágico. E eu morro de medo. Sozinho perguntando se há alguém mais bonito do que eu. Fico como bruxo. Misturo asa de A, perna de M, pingo de I, pelo de V e olho de O. Meu dia inteiro é mexê-los num caldeirão.
E não adiantam receitas. Pois amanhã, ou a outros olhos, as palavras darão sentidos diversos. Não adianta. Não confio em palavras. Melhor dizer que não confio em letras.

Rafael Alvarenga
Resende, 17 de outubro de 2012
  

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