Não confio em palavras
Essas palavras nasceram faz muito tempo. Foram
gestadas em úteros pictográficos. Placentas desenhadas de ideias. Bolsas que
certo dia estouraram em letras capazes de dizê-las de outra maneira.
Não confio em palavras. Melhor dizer que não confio
em letras. Pois as letras são misteriosas. Não envelhecem. São as únicas coisas
imunes ao tempo. Letra não se risca de rugas. Nem se agrisalha em nada.
Fosse a inquisição mais eficiente; a idade média
mais bem fincada à terra. E essas letras teriam sido todas queimadas vivas.
O alfabeto é um tangran enlouquecedor. Vira barcos,
pássaros, armas, flores, peixes. As letras tomam a forma do sentido. São como
periscópios; através de seus jogos de espelhos alcançamos o que parece ser. Por
que quem vai até lá dentro das coisas são as letras em palavras não a gente em
si mesmo.
São esnobes essas letras. Dão as costas para o
espelho mágico. E eu morro de medo. Sozinho perguntando se há alguém mais
bonito do que eu. Fico como bruxo. Misturo asa de A, perna de M, pingo de I, pelo
de V e olho de O. Meu dia inteiro é mexê-los num caldeirão.
E não adiantam receitas. Pois amanhã, ou a outros
olhos, as palavras darão sentidos diversos. Não adianta. Não confio em
palavras. Melhor dizer que não confio em letras.
Rafael Alvarenga
Resende, 17 de outubro de 2012
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