Esse poeta
Dou oferendas a quem concedera voz a esse poeta. Faz tempo ele estacionou aqui ao meu lado. E
como é volumoso seu corpo. Tem mais de mil páginas. E como falam suas páginas.
Falam como mais de mil línguas. Em cada qual centenas de palavras. Em cada
palavra incontáveis significados.
Fala de tantos lugares, esse poeta. Foi onde não se
precisava de pernas. Caminhou onde não se precisava de chão. E está longe de
ser algum santo esse poeta, graças a Deus!
Fala dia e noite esse poeta. E só morreu porque
vestia paletó, calçava sapatos, bebia cerveja e comia feijão. Porque todos que
vestem paletó, calçam sapatos, bebem cerveja e comem feijão morrem. Mas então como
continua falando esse poeta? É que quem fala é a poesia. E a poesia não se
veste, não se calça, não se bebe, não come. Por isso a poesia não se morre.
E como cabe o mundo em um verso seu. Tantos versos.
Acho que existem muitos mundos. Pelo menos o poeta fala deles.
Se esse poeta se calasse quanta subtração
contaríamos! Quantos mundos a menos então seriam? E nós? Todos nós. Caberíamos
em tão poucos mundos? Nós e nossa bagagem. Nossos aborrecimentos, certezas,
vontades, ilusões. Quanta bagagem! Quanto mundo faltaria se esse poeta se
calasse!
Rafael Alvarenga
Resende, 30 de março de 2013
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