Uma e outra mão
Vejo as araras escandalosas. Voando em pares. Sua
conversa é altissonante. Quero escrevê-las. Mas elas voam rápido demais. E eu
só tenho duas mãos. Das quais uma repousa preguiçosa sobre a madeira da mesa. E
a outra é quem trabalha. A outra é quem segura o lápis. E operando convulsiva
escreve sobre os vozerios agudos das araras.
E mesmo quando preciso apagar algum adjetivo não
consigo acordar a outra a mão. Faço tudo tão lentamente. Tão lentamente. Tão
lentamente. Que as araras somem no céu hoje cinza. Morrem. Morrem e eu mal
consigo ser rápido o suficiente para escrevê-las.
O que me vale é que vou imaginando. Entretanto a
imaginação também é mais rápida do que uma única mão com um lápis entre os
dedos pode registrar. Se pudesse escrever com as duas mãos; talvez me fosse
suficiente.
Todavia vou imaginando as araras. Buscam entre as
nuvens um silêncio bruto. E conforme o dia emprestam seus gritos ao tempo.
Então começa a trovoar a tempestade.
E minha outra mão acorda. Segura a orelha da folha.
Para não se sentir sozinha. Perde o sossego. Procura abrigo. Encontra a companhia
da outra mão. Ambas temem.
Porque são gêmeas. E embora diferentes, sentem as
mesmas coisas.
Rafael Alvarenga
Resende, 02 de março de 2013
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