sábado, 9 de março de 2013

Uma e outra mão


Uma e outra mão

Vejo as araras escandalosas. Voando em pares. Sua conversa é altissonante. Quero escrevê-las. Mas elas voam rápido demais. E eu só tenho duas mãos. Das quais uma repousa preguiçosa sobre a madeira da mesa. E a outra é quem trabalha. A outra é quem segura o lápis. E operando convulsiva escreve sobre os vozerios agudos das araras.
E mesmo quando preciso apagar algum adjetivo não consigo acordar a outra a mão. Faço tudo tão lentamente. Tão lentamente. Tão lentamente. Que as araras somem no céu hoje cinza. Morrem. Morrem e eu mal consigo ser rápido o suficiente para escrevê-las.
O que me vale é que vou imaginando. Entretanto a imaginação também é mais rápida do que uma única mão com um lápis entre os dedos pode registrar. Se pudesse escrever com as duas mãos; talvez me fosse suficiente.
Todavia vou imaginando as araras. Buscam entre as nuvens um silêncio bruto. E conforme o dia emprestam seus gritos ao tempo. Então começa a trovoar a tempestade.
E minha outra mão acorda. Segura a orelha da folha. Para não se sentir sozinha. Perde o sossego. Procura abrigo. Encontra a companhia da outra mão. Ambas temem.
Porque são gêmeas. E embora diferentes, sentem as mesmas coisas.

Rafael Alvarenga
Resende, 02 de março de 2013

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