Essa janela
Vejo o mundo por essa janela. E como aqui, sentado
nesse sobrado, tudo fica distante, tudo fica também pequeno. As casas como
caracóis velhos e mesozoicos. As pessoas como formigas. Parecem irão voltar
todas para o mesmo buraco e fazer coisas iguais.
Agora sei do sol porque percebo a dissimulação das
sombras. Uma criança passeia em sua bicicleta nova. Nova por ter chegado ontem.
Compram-na à casa de penhores. Alguma dívida não quitada. Mas isso não é
importante. Importa é o sol que não vejo. Cuspindo sombras trapaceiras. O
menino da bicicleta embolsa uma forma alienígena. As rodas ganham aros enormes.
Suas pernas ganham mais tamanho. O menino vira homem nas sombras. E a bicicleta
bufa como um cavalo negro em disparada.
Vejo o mundo por essa janela. Vejo o mundo inteiro.
E posso dizer, não é redondo. Aqui até sobe uma ladeira. Ali até faz uma curva
fechada. Mas redondo mesmo não é.
Agora sei da mulher porque percebo a frouxidão das
roupas do marido. Todas grampeadas na corda no fundo da casa. As cuecas ela
agrupa todas em uma parte mais ao fundo ainda. Teme as vizinhas. As creem
capazes de vasculhar os fundilhos mais profundos de sua intimidade sem volúpia.
Vejo o mundo por essa janela. Mundo vago e banal.
Ah não fosse minha janela! E o mundo seria menos ainda.
Rafael Alvarenga
Resende, 23 de março de 2013
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