Certos brincos
Poucos são capazes de morder tão firme como certos
brincos. Embora os de pressão sejam banguelas persistentes, os outros
concentram sua força em um único dente. A ele se resume toda sua dentição. E
como é estrangeira sua anatomia. Logo a frente do dente o olho de vidro. Às
vezes de rubi; de esmeralda. Às vezes ordinário, como os olhos da maior parte
de nós.
Em alguns, completa sua corporatura um abdômen
distendido ou uma perna comprida. Outros escapam da tarraxa. Uma espécie de mão
fechada. Com dois dedos retorcidos para dentro da palma. Fortes justamente por
serem tão pequenos. E independentes, de modo que, em algum momento, se vão.
Caem por aí. Talvez hibernem longe do corpo do brinco. Abandonam-se. E, nem por
isso, relaxam os dedos. Tanto é que, quando encontrados, continuam contraídos e
frios.
Os brincos parasitam lóbulos por não terem pés. São
em pares iguais. Cada um num ponto cardeal diferente da cabeça humana. Não se descobrem,
todavia supõem-se. Nascem carentes de
pálpebras, não de intuição. Os brincos não piscam. Levam uma vida inteira
esperando, fiel, o outro gêmeo.
Sem pálpebra e língua veem tudo sem delatar. Porém,
com o tempo fraquejam. Os vagabundos vergam. Em alguns manchas escuras pintam
cáries no dente velho. Menos mal, são largados ainda em forma de brinco. Pior
acontece com os mais valiosos. Há casos em que lhes derretem vivos!
Rafael Alvarenga
Niterói, 25 de novembro de 2012
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