Cama na varanda
Então fiz a cama na varanda. E aos olhos caseiros
isso soava bizarro. Como se fosse impraticável adormecer desembaulado. Como se
houvesse risco na grama do nosso quintal. Desinformados! Hoje em dia até os
jornais noticiam a extinção de nossos mais preciosos e famintos predadores. Da
fauna brasileira restou apenas nós mesmos: mancos e anêmicos bípedes.
Nessa noite, ao invés da penumbra dos móveis caía
sobre meu descanso o fulgor das estrelas. E só assim eu vi a açaizeiro cabeludo
em pé a um canto do pomar. Foi quando o vento correu rebocando nuvens; alegando
uma escuridão inopinada. Minha cabeça quase me empurrou para debaixo do
alpendre. Espécie de fraqueza automática.
As nuvens eram um pedaço de parede chapiscada. De
algum lugar sagrado ruíam muros e divisórias. Em algum lugar sagrado não haveria
mais confidências. Dormiriam todos sem a proteção dos limites. Com sonhos que
nada querem ter, mas que tudo podem ser.
Aguardei a chuva. Cruzei as mãos sob a nuca. Soltei
os olhos pelas órbitas. Apalpei o chão com a sola dos pés. Assobiei para o vento
e veio nosso cão. Lambeu-me os braços. E como um feiticeiro, bocejou para o
alto num sinal oculto. Foi assim que desmanchou a ventania, as nuvens e a minha
vigília.
Rafael Alvarenga
Niterói, 11 de dezembro de 2012
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