Homens desconfiados
No caminho os cães trotaram atrás de mim. Farejaram
meus calcanhares. E viram paisagens encantadoras na poeira mágica baforada
pelas minhas solas. Mas a inveja das nuvens apagou tudo. Queriam atenção
somente para elas. Por isso cuspiram chuva. Com o intuito único de boicotar o
monólogo de minhas andanças.
Os garnisés de penas abóboras e negras vieram
assistir-me. No entanto a chuva ganhou corpo. E rápido não se falava mais em
outra coisa. Procurei abrigo sob o toldo de uma mercearia. Onde, à porta, um
rapaz comia uma rodela gordurenta de mortadela. Nesse disco de carne processada
pontos brancos de banha pintavam búzios escrevendo algo para mim. Não sei ler o
sobrenatural. Às vezes até desconfio. Conquanto, o medo ou a ignorância, me
fazem apartar.
Não comprei nada. Não queria nada. Um homem veio
comprar um cigarro. Os búzios da mortadela foram consumidos pelo apetite do
rapaz.
Esperei que um arco íris viesse como um augúrio.
Vieram crianças. Sacudiam moedas no interior das mãos fechadas. Arremessaram os
níqueis sobre o balcão. O rapaz disse que só compravam dois pirulitos. Eram
três meninos. Mas não souberam pedir. Fui até o balcão e paguei o terceiro
doce. As crianças brilharam felizes. O rapaz vendeu, mas desconfiou. O outro, o
fumante, estava prestes a me interrogar.
Saí logo. Eu não queria nada.
Rafael Alvarenga
Niterói, 21 de dezembro de 2012