segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Uma galinha gorda

Uma galinha gorda

Veio me perguntar se gostava de galinha caipira. Eu pensei logo nos molhos pardos que há tanto não via mais. Respondi afirmativamente junto a um sorriso bojudo. Pois então ela me disse que traria uma galinha bem gorda. Diminuí um pouco o sorriso em vista do adjetivo dado à ave. Mas agradeci. Na verdade, por um átimo, lembrei-me de minhas artérias ainda jovens. Talvez com medo de senti-las entupidas. Podia ser uma galinha magra, ainda que com alguma carne, pensei em dizer. Não disse nada. Não adiantaria nada. Ela estava tão alegre, e me agradecia tanto, que jamais me presentearia com uma galinha magra. Seria uma galinha caipira, e bem gorda.
Senti uma fanfarrona fisgada no peito. Alguma artéria noticiando sua fragilidade.
Era melhor frisar que eu não fazia nada de mais. Eles é que me faziam um enorme favor. Pois o material que recolhiam não me tinha mais serventia. Era um estorvo! E eu, debilmente paralisado, encontrava neles uma solução. Levavam o que eu precisava que fosse levado. Eles é que me faziam um favor!
Eu tentava explicar essa inversão dos agentes favorecidos. Mas eles carregavam tábuas, escoras, mourões, ripas e estacas. E todas as vezes que passavam por mim, prostrado com os braços pendurados na cerca, me lembravam da galinha gorda.
Diziam-me que com aquele material levantariam sua primeira casa própria. E assim, seriamente felizes, me agradeciam com a firmeza do suor que lhes escorria pelas faces. Pensei em dizer que eu não podia com gordura. Determinação médica.
Fiquei refletindo, longe de qualquer ação; e eles me perguntaram se podiam levar algumas latas vazias de tinta. Claro que podiam. E recomeçaram a me agradecer, sem me deixar explicar que eles é que me faziam um favor. Davam glória aos céus por terem me encontrado. Abençoavam meu nome. E afirmavam com a rigidez de quem cumpre: Vamos trazer pro senhor uma galinha gorda.

Rafael Alvarenga
Itatiaia, 04 de agosto de 2014

   

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