sábado, 30 de agosto de 2014

Lobo-guará


Lobo-guará
Nosso carro é tão antigo que sua cor é azul. E nessa terra de longas estradas repletas de carros cor de asfalto, ele parece um pedaço de céu sem altura. Ia se tornando coisa de álbum de figurinhas. Raridade quando atravessava as curvas empoeiradas de um inverno seco. Que pensamento esse que me sobrevinha! E eis que em manhã gelada vaga pela minha frente um animal solitário. Magro, alto, pêlo alaranjado, patas negras, como se sujas da lama que engrossava os beiços do córrego. Era um lobo-guará em pessoa! As orelhas altas e parabolicamente abertas. O passo trôpego. Talvez em desfalque de firmeza.
Ele olhou para trás. Viu nosso pedaço de céu sem altura e perpendiculou o passo mato adentro. Sumiu com todo melindre de quem pisa em galhos e cascas secas sem quebrá-los. Não dava sequer sinal do atalho pelo qual seguia. Mantinha o matagal incólume, folha após folha. E até mesmo a poeira fina e leve não se levantava à sua passagem. O lobo-guará também era já uma raridade. Ia se tornando coisa de álbum de figurinhas. Folha de enciclopédia na qual demoramos com gosto e imaginação. Um pedaço de natureza sem nenhum cativeiro. E para mim, naquele momento, garantia de que a vida ainda não estava morta. Entretanto, embora o lobo-guará voltasse para o miolo do verde, a fumaça fazia sinal mais à frente: era a queimada que lhe expulsava de sua morada.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 27 de agosto de 2014

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