Lobo-guará
Nosso carro é tão antigo que sua cor é azul. E
nessa terra de longas estradas repletas de carros cor de asfalto, ele parece um
pedaço de céu sem altura. Ia se tornando coisa de álbum de figurinhas. Raridade
quando atravessava as curvas empoeiradas de um inverno seco. Que pensamento
esse que me sobrevinha! E eis que em manhã gelada vaga pela minha frente um
animal solitário. Magro, alto, pêlo alaranjado, patas negras, como se sujas da
lama que engrossava os beiços do córrego. Era um lobo-guará em pessoa! As
orelhas altas e parabolicamente abertas. O passo trôpego. Talvez em desfalque
de firmeza.
Ele olhou para trás. Viu nosso pedaço de céu sem
altura e perpendiculou o passo mato adentro. Sumiu com todo melindre de quem
pisa em galhos e cascas secas sem quebrá-los. Não dava sequer sinal do atalho
pelo qual seguia. Mantinha o matagal incólume, folha após folha. E até mesmo a
poeira fina e leve não se levantava à sua passagem. O lobo-guará também era já
uma raridade. Ia se tornando coisa de álbum de figurinhas. Folha de
enciclopédia na qual demoramos com gosto e imaginação. Um pedaço de natureza
sem nenhum cativeiro. E para mim, naquele momento, garantia de que a vida ainda
não estava morta. Entretanto, embora o lobo-guará voltasse para o miolo do
verde, a fumaça fazia sinal mais à frente: era a queimada que lhe expulsava de
sua morada.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 27 de agosto de 2014
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