As nuvens estão se cansando - se esvaindo - de
tanto que já choveram. Parecem até costelas embranquecendo em uma sequência
arqueada o corpo dentro do qual vivemos. Costelas tão magras a ponto de
mostrarem a pele azul do céu.
Entretanto o chão não reage mais. Solapado abaixo de
longas poças só pode ser notado se o pé se encoraja e afunda na turvação. Esse instante
é como o assinar de um armistício. As nuvens não chovem mais e o que resta de
chão se rende. Esse instante é atravessado pelo tiê-sangue, pousando seu
vermelho desatado no bordado verde do matagal. Chama a atenção o tiê-sangue. E
também o homem que se agarra em suas muletas a fim de ir pela rua. Não tem
nenhum compromisso. Veste uma boina e um suéter listrado sobre a camisa azul
claro. Como o tiê-sangue esse homem sabe que não vai mais chover. Além disso,
não há ninguém na rua e por isso cada passo conseguido é um voo completamente
sentido.
Se fosse mais cedo nos olharia um sol caolho. Mas é
a lua em formato de olho de vidro inteiro quem pisca à minha janela. E com a
terra molhada a escuridão brilha afiada como fio de navalha nova.
O tiê-sangue não passa voltando. E o homem em suas
muletas se cansa.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 10 de julho de 2014
Parabéns, Rafael!
ResponderExcluirMuito bom o texto!