Santa bola, maldita bola
Tanta tristeza que o menino sequer corria. Andava. Cabisbaixo.
Quando atravessava o batente a mãe se preparava para gritar, mas desistia. Ele
atravessava manso a rua estreita.
Ao fogão, ela olhou as panelas fumegantes. As mãos
não podiam perder o ponto dos quitutes. Precisava entregar as encomendas. Mas
será que o menino tomara jeito?
No outro lado da casa o avô. Afeiçoado à política
porque idolatrara a figura de Seu Getúlio Vargas. Político que pensava na gente,
dizia ele frente às propagandas eleitorais. Ora, foi justamente a aposentadoria
que o permitiu formar opinião diferente sobre o menino: Estava lhe faltando
algo.
Invés de lhe perguntar o que era, como faziam
todos, perguntou onde estava a bola. O menino embaraçou-se. Mas içou a cabeça
depois de semana. E novamente perguntou: Furou? O menino não controlou os
olhos. Fugindo dentro das órbitas como um animal temendo o castigo na jaula.
Entretanto como o avô não tinha mais mão para bater ele respondeu: Tá lá em
cima. E apontou para o telhado alto da igreja.
Quando o avô se levantou, o menino sorriu brilhoso
como noite de lua. Mas logo lhe trovejou a face quando o viu tendo com a mãe na
cozinha.
Daí a pouco veio o pintor que manejava a lateral da
igreja. A Mãe lhe mandara recado, que fazendo o favor e por uns quitutes
fresquinhos, alcançasse a bola do menino, perdida pelo alto do telhado. À tarde
trouxe a bola e o menino não se conteve, pulando sobre o salvador do seu mais
precioso bem.
A mãe, por um canto da boca agradecia o favor, por
outro praguejava a maldita bola que instaurava o risco de se perder o ponto do
doce ainda no fogo.
Num instante a tarde jorrava meninos pela rua. Uma
alegria repartida, gritada, cintilante! Santa bola, disse o avô!
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 16 de agosto de 2014
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