sábado, 16 de agosto de 2014

Santa bola, maldita bola

Santa bola, maldita bola

Tanta tristeza que o menino sequer corria. Andava. Cabisbaixo. Quando atravessava o batente a mãe se preparava para gritar, mas desistia. Ele atravessava manso a rua estreita.
Ao fogão, ela olhou as panelas fumegantes. As mãos não podiam perder o ponto dos quitutes. Precisava entregar as encomendas. Mas será que o menino tomara jeito?
No outro lado da casa o avô. Afeiçoado à política porque idolatrara a figura de Seu Getúlio Vargas. Político que pensava na gente, dizia ele frente às propagandas eleitorais. Ora, foi justamente a aposentadoria que o permitiu formar opinião diferente sobre o menino: Estava lhe faltando algo.
Invés de lhe perguntar o que era, como faziam todos, perguntou onde estava a bola. O menino embaraçou-se. Mas içou a cabeça depois de semana. E novamente perguntou: Furou? O menino não controlou os olhos. Fugindo dentro das órbitas como um animal temendo o castigo na jaula. Entretanto como o avô não tinha mais mão para bater ele respondeu: Tá lá em cima. E apontou para o telhado alto da igreja.
Quando o avô se levantou, o menino sorriu brilhoso como noite de lua. Mas logo lhe trovejou a face quando o viu tendo com a mãe na cozinha.
Daí a pouco veio o pintor que manejava a lateral da igreja. A Mãe lhe mandara recado, que fazendo o favor e por uns quitutes fresquinhos, alcançasse a bola do menino, perdida pelo alto do telhado. À tarde trouxe a bola e o menino não se conteve, pulando sobre o salvador do seu mais precioso bem.
A mãe, por um canto da boca agradecia o favor, por outro praguejava a maldita bola que instaurava o risco de se perder o ponto do doce ainda no fogo.
Num instante a tarde jorrava meninos pela rua. Uma alegria repartida, gritada, cintilante! Santa bola, disse o avô!

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 16 de agosto de 2014

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