sexta-feira, 10 de maio de 2013

Caso de vida


Caso de vida

Veio a sirene. Em seguida sobrevieram ambulância e curiosos. Talvez passassem mal nos altos da cidade. E à beira do rio os pescadores imperturbáveis solicitavam silêncio, pois não se pesca em alvoroço. Já acompanhando a curva do asfalto ia a ambulância esbaforida. Correndo para não chegar tão depois da sirene.
No local uma senhora com as mãos sobre o peito velho. Pedia cadeira e encosto. E os socorristas atendiam profissionalmente, embora supusessem certo equívoco. Afinal, o chamado era para um homem que ia morrendo nas imediações.
Mas a equipe médica não demorou a saber que o caso era de adultério. A multidão informou ter ido o homem por ali. Mas esse não é caso de médico, avisou o doutor. Deveriam chamar a polícia, completou. E o povo esmoreceu contrariado.
Mas alguém vai morrer. Disseram do meio turvo da aglomeração. A senhora tirou uma mão do peito velho e avisou que se ninguém morresse, morreria ela mesma! A multidão não vibrou porque não cabiam comemorações. No entanto o murmúrio era zonzo e levemente jubiloso. Para o boteco encaminhavam-se as apostas. Quem morreria? O marido? A esposa? O amante? Ou a mãe, que era a velha e a sogra?
                Quando o enfermeiro perguntou se levariam a senhora para o hospital, ela respondeu que não a levariam enquanto não fosse decidido quem morreria.
                Com custo se retiraram da cena médico, enfermeiro e motorista. A ambulância voltou em silêncio.
De curiosidade e vergonha ninguém morre, cientificou o médico sereno.

Rafael Alvarenga
Resende, 30 de abril de 2013

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