Caso de vida
Veio a sirene. Em seguida sobrevieram ambulância e
curiosos. Talvez passassem mal nos altos da cidade. E à beira do rio os
pescadores imperturbáveis solicitavam silêncio, pois não se pesca em alvoroço.
Já acompanhando a curva do asfalto ia a ambulância esbaforida. Correndo para
não chegar tão depois da sirene.
No local uma senhora com as mãos sobre o peito
velho. Pedia cadeira e encosto. E os socorristas atendiam profissionalmente,
embora supusessem certo equívoco. Afinal, o chamado era para um homem que ia
morrendo nas imediações.
Mas a equipe médica não demorou a saber que o caso
era de adultério. A multidão informou ter ido o homem por ali. Mas esse não é
caso de médico, avisou o doutor. Deveriam chamar a polícia, completou. E o povo
esmoreceu contrariado.
Mas alguém vai morrer. Disseram do meio turvo da aglomeração.
A senhora tirou uma mão do peito velho e avisou que se ninguém morresse,
morreria ela mesma! A multidão não vibrou porque não cabiam comemorações. No
entanto o murmúrio era zonzo e levemente jubiloso. Para o boteco encaminhavam-se
as apostas. Quem morreria? O marido? A esposa? O amante? Ou a mãe, que era a
velha e a sogra?
Quando o
enfermeiro perguntou se levariam a senhora para o hospital, ela respondeu que
não a levariam enquanto não fosse decidido quem morreria.
Com custo se
retiraram da cena médico, enfermeiro e motorista. A ambulância voltou em
silêncio.
De curiosidade e vergonha ninguém morre,
cientificou o médico sereno.
Rafael Alvarenga
Resende, 30 de abril de 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário