O poste e a Lua
Corriqueiramente tenho um poste em frente à janela
da sala. Ele: rígido, quase penitente. Mantem com continência militar o braço
esticado na ponta do qual uma luz vermelha alcagueta os fios. À noite parecem
que são muito mais do que deveriam. Pior: parecem a razão de ser de todo equilíbrio,
de toda rigidez. Nessas horas o poste é um grande bêbado. E os fios os constrangimentos
que fazem boa parte dos bêbados se manterem de pé.
Bem, mas hoje é lua cheia. E dela devo dizer também.
Pois nasceu agora há pouco; na linha exata desse poste embriagado. E mesmo gorda
e sem pés ou mãos, foi subindo e ganhando uma altura que nem o poste possuía. Pobre
haste de concreto embriagada julgou que aquilo fosse alucinação causada pela
bebida.
O poste piscou o olho. Esfregou-o. Não conseguia
distinguir: havia a sua luz: vermelha e rodeada de insetos. Mas havia também outra:
azul e rodeada de nuvens. Achou que era uma nova tecnologia implantada durante
o dia, enquanto naturalmente, dormia. Não sabia se aquilo era verdade. Afinal,
qual era a sua luz? Vermelha ou azul? Já a lua que nada tinha que ver com isso
continuou subindo pelas costas do poste que enlouqueceu. E como solução fechou
o olho. Loucura.
A rua ficou escura na minha janela. O poste insano,
deprimido, caiu numa profunda crise de existência luminosa. No dia seguinte lhe
virão com ajustes, apertos e estimulantes. Ora existe um padrão e poste nenhum
pode se desvirtuar, dirá o rapaz de capacete assim que descer da escada.
Amanhã o poste voltará a funcionar. Mas hoje à
noite eu abençoei sua cegueira – que só pela crônica é que vim saber ser
loucura.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 21 de março de 2016
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