Sol
Abro as
cortinas e o sol corre cego, galopante, potro. Tropeça nos objetos, esbarroa
nas xícaras, roça nas páginas dos livros abertos que jamais terminarão de ser
lidos. O sol fareja as cores das coisas. Investiga se já amanheceram. Se já
deixaram seu noturno avesso. Pois não quer noite em lugar algum. E não há fundo
de armário, embaixo de pia, dentro de baú que escape. Tudo será mostrado,
revirado a coices. E se for preciso até mesmo curva a luz fará. Mas se a curva
exigir muito espaço para vergar-se, e minha casa for assim tão pequena a ponto
da manobra se desajeitar ela dará jeito. O sol tem músculos equinos. Procurará
onde se possa refletir. E ainda que mais percorra que mais vá e volte em tão
exíguo espaço chegará onde pretende. Há CDs, anéis, antenas de televisão,
puxadores de armário, um espelho e o branco de uma parede. Tanto reflexo que
até parece que o sol nasce no oeste. Tanto reflexo que o sol se empina. E não
há homem que o amanse, só quem lhe põe cela e arreio é o preto velho da noite
ou o cinza gordo e suado das nuvens.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 17 de dezembro de 2015
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