segunda-feira, 14 de março de 2016

Sol

Sol

Abro as cortinas e o sol corre cego, galopante, potro. Tropeça nos objetos, esbarroa nas xícaras, roça nas páginas dos livros abertos que jamais terminarão de ser lidos. O sol fareja as cores das coisas. Investiga se já amanheceram. Se já deixaram seu noturno avesso. Pois não quer noite em lugar algum. E não há fundo de armário, embaixo de pia, dentro de baú que escape. Tudo será mostrado, revirado a coices. E se for preciso até mesmo curva a luz fará. Mas se a curva exigir muito espaço para vergar-se, e minha casa for assim tão pequena a ponto da manobra se desajeitar ela dará jeito. O sol tem músculos equinos. Procurará onde se possa refletir. E ainda que mais percorra que mais vá e volte em tão exíguo espaço chegará onde pretende. Há CDs, anéis, antenas de televisão, puxadores de armário, um espelho e o branco de uma parede. Tanto reflexo que até parece que o sol nasce no oeste. Tanto reflexo que o sol se empina. E não há homem que o amanse, só quem lhe põe cela e arreio é o preto velho da noite ou o cinza gordo e suado das nuvens. 

Rafael Alvarenga
Itatiaia, 17 de dezembro de 2015


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