Ser ou não ser: eis a
questão do siri
Sequer era noite de lua. Mas o negrume grosso
compensava qualquer ausência. Nada que deva remeter ao sombrio, ao macabro.
Pois quanto mais verdadeiramente preto é o alto de uma noite, tanto mais
diamantadas são as estrelas.
E foi em uma noite assim que o siri encontrou
a tartaruga na areia. Um encontro cheio de surpresas para a tartaruga que,
mesmo antes de ver o siri, ouviu seus gemidos. Procurou por algum tempo e eis
que o avistou entanguido de suor:
̶
Amigo siri! Quanto tempo faz que não lhe vejo!
E o crustáceo, que ao ouvir o cumprimento
aproveitara para descansar um instante, logo respondeu com entusiasmo: Querida
tartaruga! A quantas nada por esse mar?
̶
Passei o ano seguindo as correntes, como sempre. Mas agora retorno para
a desova. E você, o que merece tanto esforço? – perguntou a tartaruga ao
perceber o siri ofegante.
̶ Ah,
é difícil de explicar... – respondeu virando os olhos melancolicamente.
̶ Bem, me dê um instante e eu adivinho. – falou
a tartaruga abrindo um sorriso iluminado antes de continuar: Aposto que é para
ficar em forma... Tem uma siri nesta
história?
̶ Não
é nada disso.
̶ Como
não? Estão está nesta loucura por quê?
̶
Sinceramente tartaruga – disse o siri encarando-a e ajeitando as patas
na areia úmida – eu não quero mais andar de lado. Todo mundo anda pra frente. E
eu não! Comigo é tudo de lado! Mas chega! Quero mudar!
Por um momento a tartaruga ficou sem
palavras. No silêncio ouvia-se apenas o leve escorrer constante das ondas sobre
a areia, como se marcassem o tempo.
̶ Mas
siri, os siris são assim, eles andam de lado. Essa é a questão... – Falou por
fim a tartaruga ao que o siri logo rebateu:
̶ Que
questão? Você acha bonito me ver andando de lado?
̶
Claro! É a sua identidade, seu modo de ser, sua maneira de estar no
mundo, enfim essas coisas filosóficas.
̶ Ok. Então
você vai dizer que é legal andar de lado, que acha bacana e charmoso, mas que
como você é tartaruga não pode andar assim, pois isso é coisa de siri, etc e
tal.
̶ Mas
qual é o problema? Afinal, isso é coisa de siri. E você é siri.
̶ Essa
é a questão tartaruga: Eu quero ser o que eu quiser ser. Parece uma enrolação
para dizer o óbvio, mas é por isso que estou suando aqui na areia.
̶ Quer
dizer que você está fazendo esse esforço todo pra andar pra frente? Como todo
mundo? Como eu? Mas e a sua essência de siri?
̶
Minha essência é um hábito ensinado a milhares de anos. Só isso. – E por
fim, antes de sumir na escuridão, disse ainda o siri: Se minha essência for o
que eu fizer de mim e para mim, serei siri mesmo que ande de frente. Enfim, se
a essência é minha quem tem que construir sou eu.
Rafael Alvarenga
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