Uma forma de se destacar
Um sujeito indestacável.
Ouvia Beatles, bebia limonada, gostava de feijão com arroz. E a vida lhe
passava também normalmente, com noites e dias, salário e contas e algumas
frutas da estação. Como se pode notar, um sujeito indestacável.
Pensava muito nas coisas, especialmente em si
mesmo. Até que concluísse poder até cometer uma delinquência ou profanar algum
rito ou mentir. Jamais suspeitariam dele. Aquele sujeito manso, senhor de um
lar tão silencioso.
Foi assim e pegou a desacatar a si mesmo, às leis
que se lhe impunha. Mas como aquilo era difícil! Revoltara-se contra si e em
razão disso se dividira em dois. E se um aniquilasse o outro voltaria ao ponto
inicial. Seria tudo como antes. Pois uma revolta apenas empunharia novas
regras.
Enfim, a briga interna entre seus dois eus era caseira.
Terrível foi no dia em que o viram bebendo água no
gargalo da garrafa de vidro. Sentiu a reprovação nas pupilas alheias. Acreditou,
naquele instante, ter perdido o título de indestacável.
Diriam que ele ouvia uma música trash
bebendo cachaça com limão. Que de sua cozinha saía um forte cheiro de vísceras
cozidas. Diriam que não trabalhava, sendo assim difícil supor como pagava as
contas. Diriam que ele odiava frutas e ainda que seu lixo era uma verdadeira
imundície.
Um gole d’água deu ao mundo um sujeito destacável. Um sujeito antes sozinho,
agora extraterrestre.
Rafael Alvarenga
Resende, 09 de maio de 2014
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