domingo, 4 de maio de 2014

Cor de olhos

Cor de olhos

Conhecemos-nos na infância. Lembro-me dela dentro de um vestido violeta. Lembro-me, aliás, que tudo dela tinha cores berrantes. Até seus olhos jorravam, à altura da minha visão, um azul aceso que em algumas ocasiões me amedrontava. Chegava a crer que aquilo era cor de olho de vampiro ou outra coisa fantástica.
Jamais a esqueci. Um dia, que para mim não tinha data, minha família se mudou da cidade. Vivi então uma adolescência cheia de olhos cujas cores eram triviais. Além disso, não acreditava mais em núpcias como antes. Agora a união tinha outros ensejos.
***
Alegra-me muito saber que a vida seja feita de tantos reveses. Outro dia reencontrei num relance, aquelas cores rascantes e inesquecíveis dentro de dois olhos. Prontamente reacreditei em tudo quanto havia desacreditado.
 Ela me chamou pelo apelido. Constrangi-me feito um menino.
Perguntamos pela vida e ela disse estar ali à espera do filho mais velho. Tinha quatro. Quatro filhos! E eu desprovido até dos sonhos de infância. Ela ficou olhando invariavelmente, como fazia sempre. E eu perguntei pelo óbvio: os quatro filhos. Ao que me respondeu de olhos abertos que teria mais. Cinco filhos, pensei. Falei que era incomum nos nossos tempos.
Não, eram todos muito comuns, ela respondeu. Tinham olhos comuns de pais comuns. Disse não estar satisfeita enquanto não tivesse um filho com os olhos dela: inesquecíveis e domadores.
Como achei aquilo uma demência, dei um número de telefone inventado na hora e disse adeus. Eu nunca quis ter um filho com olhos de cores berrantes e acesas e depois tive medo de sua psicose.

Rafael Alvarenga

Resende, 23 de abril de 2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário