Minha amiga crônica
Eu e a crônica... já trabalhamos juntos até horas
tão tardias que sequer ousei conferir o relógio. Isso foi em momentos que à
nossa guarda havia apenas uma luz amarela e direcionada. É que sempre confiei
muito nela. Segredos que jamais entreguei a meu pai ou ao meu melhor amigo
foram divididos com ela. Por isso ela sabe tudo que eu penso sobre a vida.
Mesmo que isso represente coisa inaudível ou até mesmo equivocada. Ela sabe o
quanto eu gosto do meu quintal. Sabe até que eu jamais saí de um quintal. A
crônica sabe o que eu vejo nos beija-flores e nas roseiras. E ela acredita em
mim de forma conscienciosa, generosa e alegre. Para mim ela é como uma grande e
velha avó.
Nossa relação não tem queixumes. Estou certo de que
a compreensão do outro tolera o tempo que às vezes ficamos sem nos falar. Há
tardes em que voltamos por algum caminho, mas cada um vai pisando por um lado
da rua. Cada um vai chutando as pedrinhas que escolher e olhando o que a visão
tiver. Assim vamos muitas vezes. E quando a tempestade vem armando lá das
bandas da serra nós observamos em silêncio. Afoitos como crianças à espera do
grito que anuncia a corrida. Quando os primeiros pingos grossos nos saúdam
pelos peitos apertamos o passo e nos entreolhamos. Em seguida corremos. Eu com
minhas pernas a crônica com as dela. Chegamos a casa esbaforidos e molhados. Às
vezes nos falamos. Às vezes escrevemos.
Rafael Alvarenga
Itatiaia 04 de dezembro de 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário