quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Minha amiga crônica

Minha amiga crônica

Eu e a crônica... já trabalhamos juntos até horas tão tardias que sequer ousei conferir o relógio. Isso foi em momentos que à nossa guarda havia apenas uma luz amarela e direcionada. É que sempre confiei muito nela. Segredos que jamais entreguei a meu pai ou ao meu melhor amigo foram divididos com ela. Por isso ela sabe tudo que eu penso sobre a vida. Mesmo que isso represente coisa inaudível ou até mesmo equivocada. Ela sabe o quanto eu gosto do meu quintal. Sabe até que eu jamais saí de um quintal. A crônica sabe o que eu vejo nos beija-flores e nas roseiras. E ela acredita em mim de forma conscienciosa, generosa e alegre. Para mim ela é como uma grande e velha avó.
Nossa relação não tem queixumes. Estou certo de que a compreensão do outro tolera o tempo que às vezes ficamos sem nos falar. Há tardes em que voltamos por algum caminho, mas cada um vai pisando por um lado da rua. Cada um vai chutando as pedrinhas que escolher e olhando o que a visão tiver. Assim vamos muitas vezes. E quando a tempestade vem armando lá das bandas da serra nós observamos em silêncio. Afoitos como crianças à espera do grito que anuncia a corrida. Quando os primeiros pingos grossos nos saúdam pelos peitos apertamos o passo e nos entreolhamos. Em seguida corremos. Eu com minhas pernas a crônica com as dela. Chegamos a casa esbaforidos e molhados. Às vezes nos falamos. Às vezes escrevemos.

Rafael Alvarenga

Itatiaia 04 de dezembro de 2014

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