Avarandado
Chegou um maço de telhas vermelhas, um morro miúdo
de areia e outro de brita. Cada saco de cimento pesa tanto quanto um defunto muito
gordo. Já os tijolos são poucos. Mas sequer
contei. Se faltar um é melhor que eu nem saiba. Os orçamentos, as contas e as
dívidas, esses já chegaram também. Aliás, vieram bem cedo e sua idade é
irrevogável. Acho que será amanhã que começa a obra. Quebrarão algumas partes,
montarão outras. E assim encaixarão o madeirame nos pontos previamente
calculados, costurando uma rede de peças e ripas. E aí estará tudo pronto!
Pronto para que um desejo infindável de permanecer sob a sombra que o
avarandado oferecerá corra sobre mim como uma besta selvagem, sem moral, freio
e rumo.
O trabalho dignifica o homem! Direi ao pedreiro.
Acho que ele ganha mais dinheiro que eu. E talvez ele seja mesmo mais digno que
eu. Posto que fazer crescer uma parede é menos malfadado que criar linhas e
linhas sobre uma página solitária. Além do que, seu trabalho será elogiado por
todos aqueles que me visitarem. Ao sentarem-se à sombra descansando a pele do
calor desse verão pleno, sentirão enorme prazer. E embora tantos de nós mal
saiba fazer uma varanda ou um livro, dirão elogios apenas do primeiro. Sobre o
segundo se calarão para evitar amolações.
Há pouco ligaram também para informar sobre pregos
e vergalhões. Falaram de comprimento, diâmetro e peso. Queria dizer que estava
à crônica àquele momento e que a ligação desconcentrava. Mas silenciei e acabei
por me declarar ignorante. Ignorante de qualquer coisa que preste.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 06 de novembro de 2014
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