segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

O livro que vou escrever

O livro que vou escrever

Amanhã começarei a escrever um livro. A história parece bem simples; a trama e os personagens ordinários e previsíveis. Há um rapaz que é chaveiro. Um senhor que ainda sua seu macacão. E uma moça sem mãe, que quando foi adotada ganhou um irmão chaveiro e um pai senhor de macacão suado.
Essa história é repleta de coisas não sabidas. Os diálogos, vocês irão notar se um dia eu terminar de escrever, são curtos e, às vezes, diletantes. Na casa onde moram sequer há muito o que descrever. Pois é tudo bem econômico. E mesmo os lenções se trocam raro porque são pouquíssimos os que se dispõem no armário.
O senhor do macacão suado inclina-se aos jogos de azar. Aplica mixarias. E isso lhe garante uma culpa mínima, já que jamais ganhou qualquer quina. O rapaz que é chaveiro fez as contas esse ano. De tanto que o pai aposta dava para comprar uma bicicleta de segunda mão, entretanto melhor que a usada por ele. Já a moça que não tem mãe não sabe bem o que poderia ser uma vida melhor. Uma vida diferente! Foi o máximo que disse uma vez em resposta a si mesma quando um vento agradável lhe refrescou o rosto colocado à janela.
Bem, o livro ainda não tem título. E não é também, como pode ter parecido até agora, somente uma tristeza morosa e corriqueira. Nele há a esperança da moça. Ela espera pelo Ano Novo. Espera uma mudança que ainda não ocorreu. E esse talvez seja seu maior problema. Espera muito. Espera um ano inteiro. Se seu ano começasse amanhã ela poderia enlouquecer e mudar de vida. Se seu ano pudesse começar muitas vezes por ano, melhor ainda seria. Mas não! Seu ano começa e termina uma única vez por ano. E isso ela considera bendito, romano, sagrado! E assim segue sua vida, tendo apenas uma pobre chance por ano de viver alguma mudança nesse livro que eu começarei a escrever amanhã.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 14 de dezembro de 2014

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