O livro que vou escrever
Amanhã começarei a escrever um livro. A história
parece bem simples; a trama e os personagens ordinários e previsíveis. Há um
rapaz que é chaveiro. Um senhor que ainda sua seu macacão. E uma moça sem mãe, que
quando foi adotada ganhou um irmão chaveiro e um pai senhor de macacão suado.
Essa história é repleta de coisas não sabidas. Os
diálogos, vocês irão notar se um dia eu terminar de escrever, são curtos e, às
vezes, diletantes. Na casa onde moram sequer há muito o que descrever. Pois é
tudo bem econômico. E mesmo os lenções se trocam raro porque são pouquíssimos
os que se dispõem no armário.
O senhor do macacão suado inclina-se aos jogos de
azar. Aplica mixarias. E isso lhe garante uma culpa mínima, já que jamais
ganhou qualquer quina. O rapaz que é chaveiro fez as contas esse ano. De tanto
que o pai aposta dava para comprar uma bicicleta de segunda mão, entretanto
melhor que a usada por ele. Já a moça que não tem mãe não sabe bem o que
poderia ser uma vida melhor. Uma vida diferente! Foi o máximo que disse uma vez
em resposta a si mesma quando um vento agradável lhe refrescou o rosto colocado
à janela.
Bem, o livro ainda não tem título. E não é também,
como pode ter parecido até agora, somente uma tristeza morosa e corriqueira. Nele
há a esperança da moça. Ela espera pelo Ano Novo. Espera uma mudança que ainda
não ocorreu. E esse talvez seja seu maior problema. Espera muito. Espera um ano
inteiro. Se seu ano começasse amanhã ela poderia enlouquecer e mudar de vida.
Se seu ano pudesse começar muitas vezes por ano, melhor ainda seria. Mas não!
Seu ano começa e termina uma única vez por ano. E isso ela considera bendito,
romano, sagrado! E assim segue sua vida, tendo apenas uma pobre chance por ano
de viver alguma mudança nesse livro que eu começarei a escrever amanhã.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 14 de dezembro de 2014
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