quinta-feira, 19 de junho de 2014

A história do rato que eu não matei

                     A história do rato que eu não matei

Talvez ele tenha entrado por debaixo da porta. Tão astuto pelas brechas. Flexível e contorcido se dobrando tal um invertebrado. Tudo porque seu focinho untuoso procura ainda mais.
Quando o avistei não saí em disparada. Pois não resolvo as coisas por um ímpeto natural e resoluto. Tudo em mim é razoável, moroso e abobado. E ele com seus olhinhos mortos não via minha inércia.
Pensei em chinelo, vassoura. Mas repudiei o estrago que os líquidos viscerais do animal deixariam aos meus pés. Veneno de rato seria perfeito! Embora causasse um tanto de demora. E como viver com ele habitando os subterrâneos de minha máquina de lavar? Ou passeando descansado pela cozinha, como que procurando alimento em um branquejado bosque. Com certeza assim que eu descruzasse as pernas se alertaria e, em desespero, se encobriria.
Calcei um par de botas. E amarrando os cadarços raivosamente contorcia a boca pensando em esmagá-lo secamente. Puxei um banco, depois uma pilha de jornais velhos, depois o cesto de roupa suja, depois outras e outras coisas que a nada me serviam. Ele estava entre o último caco e a parede. Suando seu medo e amedrontando a mim, o gigante de duras botas que se aproximava carrasco para a carnificina indesejada.
Se ele pudesse me entender eu lhe pediria apenas que fosse embora no 3, e então eu começaria a contar. Tão encurralado estava que me atacaria a cara. Por isso me protegi ridículo com a pá de lixo.
Mas ele como numa odisseia homérica saiu em carreira e atravessou a cozinha em direção à porta. Saiu desesperado. E eu agradeci em um silêncio covarde.

Rafael Alvarenga

Resende, 19 de junho de 2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário