segunda-feira, 21 de abril de 2014

Nós respeitamos muito a chuva

Nós respeitamos muito a chuva

Nós respeitamos muito a chuva. Adiamos até a visita a um amigo, pois a água caía soberana, como somente a chuva pode cair de forma soberana: por todos os buracos do céu.
Houve outra vez quando me senti impedido de decepar as daninhas que circundavam o jardim. E as daninhas lá, feito crianças travessas, me mostrando línguas, balançando os dedos verdes pelos cantos do rosto. Mas eu nada podia fazer. Não havia valentia que me fizesse ultrapassar a soleira. As daninhas zombaram de mim uma tarde inteira.
Recordo-me também de um livro que tanto desejava ler. Soube a uma época que a feira instalada no centro da cidade dispunha de um exemplar. Imaginava o personagem, aquele cavaleiro folclórico, mumificando um tempo muito antigo em suas narrativas envolventes. Mas chovia tanto! Um empecilho na busca de um livro de papel. Quando cheguei à feira, naturalmente depois da chuva, o volume fora vendido. Um homem o levara entre os dedos molhados.
E numas férias muito remotas, passamos dois dias dentro de casa. Uns até fingiam se divertir com algum jogo. Mas a felicidade estava lá na beira do mar.
Diziam que ninguém podia pegar chuva. Barbaridade! Quantas coisas ruins associavam a ela: gripe, cansaço, febre, dor, injeção, cama, hospital, tristeza, moleza, morte.
Não havia criança entre nós capacitada a ver beleza em gota de chuva. E como odiamos o senhor, bem velhinho, que um dia vimos na televisão, chapéu e enxada apostos, agradecendo pela chuva que caia no sertão!
Para nós ele não sabia nada da vida. Não sabia nada sobre o que era bom!

Rafael Alvarenga

Resende, 18 de abril de 2014

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