Nós respeitamos muito a chuva
Nós respeitamos muito a chuva. Adiamos até a visita
a um amigo, pois a água caía soberana, como somente a chuva pode cair de forma
soberana: por todos os buracos do céu.
Houve outra vez quando me senti impedido de decepar
as daninhas que circundavam o jardim. E as daninhas lá, feito crianças
travessas, me mostrando línguas, balançando os dedos verdes pelos cantos do
rosto. Mas eu nada podia fazer. Não havia valentia que me fizesse ultrapassar a
soleira. As daninhas zombaram de mim uma tarde inteira.
Recordo-me também de um livro que tanto desejava
ler. Soube a uma época que a feira instalada no centro da cidade dispunha de um
exemplar. Imaginava o personagem, aquele cavaleiro folclórico, mumificando um
tempo muito antigo em suas narrativas envolventes. Mas chovia tanto! Um
empecilho na busca de um livro de papel. Quando cheguei à feira, naturalmente
depois da chuva, o volume fora vendido. Um homem o levara entre os dedos
molhados.
E numas férias muito remotas, passamos dois dias
dentro de casa. Uns até fingiam se divertir com algum jogo. Mas a felicidade
estava lá na beira do mar.
Diziam que ninguém podia pegar chuva. Barbaridade!
Quantas coisas ruins associavam a ela: gripe, cansaço, febre, dor, injeção,
cama, hospital, tristeza, moleza, morte.
Não havia criança entre nós capacitada a ver beleza
em gota de chuva. E como odiamos o senhor, bem velhinho, que um dia vimos na
televisão, chapéu e enxada apostos, agradecendo pela chuva que caia no sertão!
Para nós ele não sabia nada da vida. Não sabia nada
sobre o que era bom!
Rafael Alvarenga
Resende, 18 de abril de 2014
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