Um sonho que tive
Havia um único caminho. Mas há muita estava fora de
uso. Por isso flores amarelas lhe cobriam extensamente. Vimos um rio de
pétalas. E as borboletas surfando nas pororocas que o vento provocava naquele
amarelo de sol.
Enfim, cri ser mau augúrio começar uma caminhada
pisando em flores.
Abri os dentes do meu facão. A mata era um esqueleto
vivo. Magro e forte como um maratonista. Capaz de retorce-se de alto a baixo em
um circense contorcionismo. Fui penetrando com dificuldade. Caminhando sob o
suor da selva peluda que me envolvia. Abraçado por infinitas árvores de braços
abertos para me receber para sempre ali, porque sabiam, eu não fugiria mais,
nunca mais.
Belisquei-me forte. Não acordei de sonho algum.
Continuei fugindo mesmo assim.
Devia seguir para o leste. Estava com sorte.
Certamente teria sorte. Não pisei em uma flor amarela sequer. Mantive no mundo
um tom esparramado de beleza. Errei, entretanto. O mundo não usa valores em sua
panaceia de preservação de si mesmo. O mundo se alimenta do que ele mesmo
carrega sobre seu coro. Engole seus próprios piolhos.
Agora havia quantos caminhos me fossem possíveis
contar. E como eu aprendi tantas coisas na escola, aprendi a contar até o
infinito. Agora isso me enlouquecia.
O sol murchava. A noite escondia as flores.
Rafael Alvarenga
Resende, 21 de março de 2014