segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Ao meio-dia

Ao meio-dia

Nessa hora do dia todos os patrões deviam mandar desligar as máquinas. Apagar as chaminés. Frear as esteiras de montagem. E também os quitandeiros deviam recolher os caixotes de frutas e hortaliças para não se desidratarem. Porque essa é a hora do meio do dia e tudo devia parar respeitosamente.
Nessa hora do dia os professores deviam guardar as explicações e os alunos recolherem os livros. Os mecânicos deviam descansar as ferramentas nas caixas, ainda que não arrumadas. E os cozinheiros deviam apagar todos os fogos e fazer esperar todas as fomes. Mas também todas as fomes deviam dormir a ver assim se passavam um pouco. Os pescadores deviam lançar âncora e os coveiros nem uma pá de cal fazer trabalhar. Os comerciantes deviam abaixar as cortinas de ferro e não vender. E o dinheiro perder todo valor para que não se comprasse coisa alguma. E seria justo também que não se assinasse papel algum. E até as namoradas deviam mandar dizer aos namorados que agora não poderiam. Porque essa é a hora do meio do dia e tudo devia parar respeitosamente.
Nessa hora do dia nenhuma oração devia ser sussurrada. Tampouco perdões deviam ser pedidos.  E as mágoas e as raivas deviam ser momentaneamente esquecidas assim como os juramentos e as dívidas. É que ao meio-dia não se devia fechar janela, levantar parede, varrer quintal, beber cachaça ou café, brincar de pique, morrer de doença ou de amor.
Nessa hora do dia só se devia viver um cochilo macio sob um pedaço de sombra. Porque essa é a hora do meio do dia.

Rafael Alvarenga
Resende, 09 de janeiro de 2014


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