Ao meio-dia
Nessa hora do dia todos os patrões deviam mandar
desligar as máquinas. Apagar as chaminés. Frear as esteiras de montagem. E
também os quitandeiros deviam recolher os caixotes de frutas e hortaliças para
não se desidratarem. Porque essa é a hora do meio do dia e tudo devia parar
respeitosamente.
Nessa hora do dia os professores deviam guardar as
explicações e os alunos recolherem os livros. Os mecânicos deviam descansar as
ferramentas nas caixas, ainda que não arrumadas. E os cozinheiros deviam apagar
todos os fogos e fazer esperar todas as fomes. Mas também todas as fomes deviam
dormir a ver assim se passavam um pouco. Os pescadores deviam lançar âncora e
os coveiros nem uma pá de cal fazer trabalhar. Os comerciantes deviam abaixar
as cortinas de ferro e não vender. E o dinheiro perder todo valor para que não
se comprasse coisa alguma. E seria justo também que não se assinasse papel
algum. E até as namoradas deviam mandar dizer aos namorados que agora não
poderiam. Porque essa é a hora do meio do dia e tudo devia parar
respeitosamente.
Nessa hora do dia nenhuma oração devia ser
sussurrada. Tampouco perdões deviam ser pedidos. E as mágoas e as raivas deviam ser
momentaneamente esquecidas assim como os juramentos e as dívidas. É que ao
meio-dia não se devia fechar janela, levantar parede, varrer quintal, beber
cachaça ou café, brincar de pique, morrer de doença ou de amor.
Nessa hora do dia só se devia viver um cochilo
macio sob um pedaço de sombra. Porque essa é a hora do meio do dia.
Rafael Alvarenga
Resende, 09 de janeiro de 2014
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