Nasceu em uma casa
onde se vestia uma única camisa. Nos dias de jogo se reuniam. E na comemoração
do gol esqueciam até das dívidas. Lugar pacato aquele. Sequer um grito de
campeão continental poderia ser ouvido pelo vizinho, tal era a distância e o
tanto de árvores.
Por ali a moça
cresceu e viu a tal crise carcomer bolsos inteiros. Mesmo assim ela conseguiu
trabalho em outra cidade. Pagava-se bem, contudo o horário era uma mordida
dolorosa quando acordava às 4 da madrugada. Precisa descansar. Mas quem é que
consegue pegar no sono às 19h? Conversou sobre a possibilidade de entrar às 7h.
Só ano que vem, disse o chefe.
E justamente nesse
ano seu time montou um elenco reluzente. Jogadores de nome, técnico experiente.
Na primeira semana ela escolheu não dormir. Viu o jogo inteiro. Um baile! Seu
time arisco e inventivo como nunca vira. Mais duas semanas e ela estava um
bagaço. Impossível dormir à 1h e acordar às 4h.
Era o trabalho ou o
time do coração. Entretanto a crise estampada na capa dos jornais lhe indicou
uma decisão prudente: o trabalho. Naquele ano só veria os jogos do domingo à
tarde. Até cochilava, mas das 21h até depois do fim do jogo, eram gritos e
fogos de artifício. Sinais que lhe narravam a partida. E quanto mais o time
ganhava mais duradouras eram as comemorações. Até na cozinha certa vez ela pôs
o colchão. Valeu de nada. Reclamou. E a partir de então gritaram ainda mais
alto, acreditando que ela torcia para o adversário.
Estava ensandecida.
Sem dormir, com olheiras e mau humor. Se a crise acabasse pediria demissão e
iria embora. No entanto ela continuava diariamente nas capas dos jornais.
Começou a torcer para que os jogadores do seu time se machucassem. Para que
acabasse a energia elétrica no estádio nas quartas-feiras. Mas foi em uma noite
de setembro quando virou a si mesma pelo avesso. Seu time foi desclassificado
de uma competição importante e assim que soou o apito final ela abriu a janela
com um empurrão violento para gritar na noite silenciosa: Chupa!
Ninguém respondeu. Há
meses não dormia poucas horas tão profundas.
Rafael Alvarenga
Cabo Frio, 04 de
outubro de 2018
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