domingo, 21 de outubro de 2018

Ambulanciata



Hoje eu vi nessa cidade uma ambulanciata. Vou explicar. O nome inventei por necessidade do que presenciei: um cortejo de ambulâncias. Um desfile vagaroso e barulhento pela avenida principal. Pavões de ferro com suas cirenes acessas e ressoantes. Vinham com as janelas abertas por onde mãos e rostos acenavam e sorriam confessando obrigação e bajulação. Na ambulância que puxava a procissão um sujeito bem alimentado e barbeado. Não houve pessoa nessa cidade que não se apressasse a janela ou as portas do bar. A prefeitura comprara uma ambulância. Pelo menos uma. As outras talvez fossem da ONU, Cruz Vermelha ou da China. Fato era que faziam volume e propaganda. Na frente de todas uma saveiro com o logotipo da prefeitura e um operador de câmera capturando tudo em HD: os sorrisos do secretário e os acenos de seus mancebos. Quase um lindo plano sequência! Quase cinema para festival alemão! Mas aqui somos desavisados! Um ciclista vinha, um carro ia; se encontraram. Por sorte pedalava-se de capacete quando foi ao chão precisando de socorro; nada grave. Demorou para ser atendido já que nas ambulâncias não havia médicos somente eunucos. Também não havia maca, somente banquinhos de plástico. Com isso o trânsito parou. Para alívio dos moradores alguém veio pedir que desligassem as sirenes. Na porta do bar um bêbado gritava ao secretário que lhe pagasse uma. De uma porta saiu um menino noticiando que a avó passava mal. Precisavam de médico, injeção, estetoscópio, aspirina. Entretanto dispunham apenas de ambulâncias abafadas de dentro das quais os aspones saiam às dúzias. Gente suficiente para eleger um vereador. O ciclista se dizia bem; levantou-se, porém o dono do carro havia acionado polícia e seguro. Chegou gente com receita na mão pedindo remédio, para marcar exame, saber da cadeira de rodas prometida e da remessa de camisinhas, em falta no posto de saúde. E o sol fazendo seu trabalho quando todos olharam em direção a reclamação ruidosa do secretário que ordenava ao operador de câmera a suspensão da filmagem. Veia artística! Foi demitido ali mesmo, mas o tumulto continuou.

Rafael Alvarenga
Cabo Frio, 21 de outubro de 2018

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