Nasceu peixe e por isso tudo o que fazia era peixisse. No início da vida nenhum
incômodo lhe abatia. Escamas amarelas reluzindo feito ouro unidas à força da
juventude o confundiam a um raio percorrendo o fundo do mar. E não havia quem
não se impressionasse: peixes, crustáceos e seres humanos se encantavam até com
o movimento das guelras.
Mas foi como sempre foi. Nasceu peixe. E quando
miúdo nadava pelas cercanias de pedras e corais. Não por temor, é que a
sobrevivência valia qualquer coisa, inclusive passar por covarde. No entanto
vamos pular essa parte. Pois o peixe cresceu como peixe e aos poucos percebeu
que ainda que fosse mais rápido e bonito era um peixe como todos os outros. E
de nada adiantaria o querer, pois não podia fazer nada que não estivesse dentro
das opções de peixisse do seu indicador
de peixe. E como aquilo lhe massacrava a carne foi em busca de saber se todos
eram assim.
Não demorou para descobrir que siri só fazia coisas
de siri; que anêmona só fazia coisas de anêmona; que plâncton só fazia coisas
de plâncton e que também os tubarões só faziam coisas de tubarões. Ninguém no
fundo do mar podia, tampouco conseguia ou precisava, fazer coisas que não
fossem coisas suas. Descobriu que não havia liberdade. Ora uma palavra tanto
usada mesmo no fundo do mar. Pensou em fazer uma grande reunião e explicar a
todos que ali viviam sobre a inexistência dessa coisa tão querida chamada
liberdade. Porém aquilo o inquietava. Não era possível! Devia haver liberdade
em algum lugar.
Pensou em peixe voador, mas logo descobriu que eles
só podiam viver daquela maneira de peixe voador. Pensou até em maré vermelha,
para rapidamente perceber que ela não poderia ser de outra cor. As coisas são
como são e não há forma de não serem assim.
Ah! Resolveu estudar a vida dos pássaros. Talvez
não houvesse liberdade apenas no mar. Coitados dos seres marinhos! Entretanto
percebeu que o problema não estava circunscrito à água. Quase foi levado pelo
bico por um mergulhão. Era assim com eles também. Um mergulhão não podia fazer
como faz uma tartaruga. O problema era geral. Realmente não havia essa coisa
chamada liberdade.
Foi o peixe nadando tristonho com intuito de
convocar a reunião. Todavia, antes que o fizesse, lembrou-se de um último
animal ainda não observado. Era o Homem. E começou a pontuar: Ele é o único que
pode voar, mergulhar, comer carne ou não... é o único que pode fazer novas
regras e repensar seu modo de ser humano.
Tanto aquela ideia o alegrou que girou as
nadadeiras em alta velocidade a fim de convocar a reunião para dar uma boa
notícia. Foi quando deu de cara com um amontoado de lixo. Produção humana; uma
espécie livre que pode fazer diferente, mas não faz.
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