A ventania que passou
por aqui
Ontem foi uma ventania de
espantar. As pessoas saíram aos quintais e rapidamente deixaram nus os varais.
Depois os homens mais fortes fecharam portas e janelas e se mantiveram
protegidos e aquecidos dentro de suas casas, já que lá fora o vento uivava num
tom de lobo mal.
Não demorou e a pane completa da
energia elétrica deixou a todos ainda mais indefesos. Nesses tempos de avanço a falta da televisão e do
chuveiro elétrico deixou o ser humano diante da constrangedora tarefa de
conversar com quem está sempre ali adiante. Mas veio a necessidade salvadora de
procurar e acender as velas e a tarefa distraiu os viventes, embora as sombras
os deixassem temerosos mediante a lembrança de um passado trevoso e medieval.
Da cumeeira a ventaria arrancou
telhas que ao encontrarem o chão produziam um som apocalíptico. Das árvores
arrancou as últimas folhas, deixando os galhos apontados como chifres no clarão
dos raios. Das pessoas arrancou as mais ancestrais superstições quanto a
espelhos, objetos de metal e ateísmos. Do poeta arrancou a insossa mansidão do
dia inteiro sem poesia; que alimentava como pão sem manteiga.
Restava a esperança de que a
ventania iria passar. Porque talvez somente o ser humano tenha esperanças de
que as coisas passem um dia. Porém a ventania era cumprida como um trem que
puxa muitos vagões carregados. Um trem que demora a passar e que apita dizendo:
Atenção, deem passagem, não posso simplesmente frear. Não posso simplesmente
pedir com gentileza. Pois isso não é da natureza dos trens de carga, tampouco
das ventanias.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 25 de agosto de 2016
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