Bala de hortelã
Irritado
atravessou a rua e entrou na lanchonete. Antes de chegar perto do balcão já
pedia um suco. Ficha no caixa, disse o atendente interrompendo-o. Pigarreou
mais uma vez. Inútil. Algo aquoso, alojado nas adjacências da glote, não
falava, porém parecia querer alguma coisa tanto quanto ele queria escarrá-lo.
No entanto, estava seco. Miséria! Vá preparando o suco, falou e dirigiu-se ao
caixa. Senhor, mas de que é o suco? Perguntou o rapaz de uniforme. Quase pediu
um copo d’água. Deu com os ombros, fez um muxoxo e aspirou um ar áspero o qual lhe
penetrou os brônquios cheio de uma poeira granulada. Sentiu a bolha gosmenta
crescer na garganta alimentada por esses fragmentos. Pararia até de respirar se
isso abortasse a aflição.
Voltou,
bateu com a ficha no balcão de vidro e pediu novamente um suco. Assim que o
rapaz aproximou-se para atendê-lo antecipou-se em responder: De qualquer coisa,
rápido, por favor! Olhava enquanto a comprida tulipa era preenchida com o
líquido e pigarreava. Agora pela última vez, pensava. Não deixou nem o copo ser
posto sobre o vidro do balcão. Agarrou-o ainda na mão do vendedor. Bebeu com os
olhos grudados nas pedras de gelo salientes tilintando medrosas mediante a queda
iminente garganta abaixo. Pôs, então, o copo vazio sobre o vidro e respirou
ofegante. A enxurrada havia, enfim, lavado a garganta? Não, as cordas vocais
continuavam enferrujadas e a bolha parecia ter absorvido por osmose o açúcar
abundante do suco. Continuava lá. Nesse instante até maior. Todavia agora ele
estava hidratado, poderia cuspi-la lançando mão de toda a força produzida pelo incômodo.
Pigarreou novamente. Preparou uma forte sucção, a bolha não seria mais forte agora.
Olhou para uma das portas da lanchonete aberta para a rua e viu entrar por ela
uma mulher calma, quase sorridente e inquestionavelmente atraente. A pressão da sucção dentro da garganta fazia
a bolha tocar seu pomo de Adão. Porém
aquela mulher enfraqueceu-o. Abismado deixou a bolha voltar para o fundo da
garganta. Parado entre a porta e o balcão de vidro, viu-a se aproximar do caixa
e sair com algum troco nas mãos, em direção ao atendente. Ele entrou novamente
na fila do caixa, e meio indeciso, pediu um sanduíche e outro suco de qualquer
coisa. Em pé ela disse ao rapaz de uniforme o que desejava. Era uma voz clara e
dividida em grave e agudo. Como se houvesse um instrumento de cordas sendo
tocado no fundo daquela garganta límpida a cada palavra pronunciada.
Ele mal se
atrevia a pedir, apenas olhava aquela pele jambo untada pela mistura de cores repousadas
numa face sem tempo. Os cabelos salientes corriam com o vento sem se desprender
da dona. Como a pipa da criança, que por um fio, é fiel à mão pequenina. O
corpo torneado sem exageros exaltava a simplicidade. Já os pés livres entre uma
ou outra tira de sandália descansavam, ora um ora outro, apoiado no dorso do
qual servia de base. Pode sentar que já vai ficar pronto, senhora, disse o
atendente. Ela agradeceu sonora e procurou uma mesa. Ele fez o pedido e
novamente sem saber como agir sentou-se próximo. Chegaram para ela, um suco e
um sanduíche. Tinha agora as pernas cruzadas dentro do jeans frouxo. Os braços
nus e os olhos despreocupados. Ele imaginava-a como alguém sem pressa; cheia de
afazeres, conquanto atenciosa a um pequeno sanduíche. Uma menina e uma mulher
sem sujeira nos olhos. Preciosa dádiva de quem é capaz de dispensar o choro.
Comia como quem tem apetite, mesmo assim não demonstrava ânsia. Mastigava o
sabor não a comida.
Enquanto
observava, ele manuseava seu sanduíche para alongar o tempo. Acreditava numa
obstinação instintiva e singela tão forte por parte dela, que não ficaria
espantado se ela viesse lhe pedir um pedaço do seu sanduíche, cuja única parte
mordida ainda estava entre a língua e o céu da boca. Francamente não sabia o
que fazer com aquela maçaroca de pão e queijo, muito menos com a bolha perturbadora
ainda levando-o a pigarrear. Deveria engolir aquele pedaço de pão e queijo?
Engoliu. Entretanto a bolha era inteligente. Driblou o alimento e permaneceu
presa às cordas vocais. Não se deixaria ser levada por um pedaço qualquer de
pão.
Ela
terminou de comer o seu sanduíche e, sem pressa, amassou o guardanapo com as
mãos enquanto limpava os lábios com os lábios. Sabia tudo que tinha a fazer e
por isso era calma. Ele pigarreou novamente. Estava irritado. Ela se levantou
foi até o caixa procurando algumas moedas dentro da bolsa e em seguida voltou.
Aproximou-se dele e deixou sobre a mesa onde ele estava uma bala de hortelã.
Olhou-o com as maçãs do rosto acentuadas e sorridentes e disse: Escreva essa
estória. Daria um bom conto. Sorriu mais uma vez e saiu com seu jeito ritmado
assim como entrou, comeu, olhou e gostou do sanduíche de queijo.